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sexta-feira, 29 de março de 2013

23 de Julho e 31 de Agosto: a chama de um só dia

"Fogo fátuo" de Louis Malle e "Oslo, 31 de Agosto", de Joachim Trier.
Paris, 23 de Julho.
Oslo, 31 de Agosto.
Dois lugares e duas datas diferentes, mas o mesmo dia e um único destino. 
Dois olhares cruzados, sobre a chama efémera de uma vida.

☑ FOGO FÁTUO, de Louis Malle

MALLE DE VIVRE




FICHA
Título em português: Fogo fátuo
Título original em francês: Le feu follet
Ano: 1963
Origem: França
Linguagem: Francês
Duração: 108 minutos
Género: Drama
"Mood": Tristeza, angústia, depressão, dependências, suicídio.
Música: Erik Satie 
Cinematografia: Ghislain Cloquet
Argumento: Louis Malle, baseado no romance de Pierre Drieu La Rochelle, "Le feu follet", de 1931. E também inspirado pelo livro de Scott Fitzgerald "Babylon revisited", de 1930-1931.
Realização: Louis Malle
Intérpretes: Maurice Ronet, Jeanne Moreau, Alexandra Stewart, René Dupuis, Léna Skerla. 

SINOPSE
Após um tratamento de alcoolismo numa clínica privada, Alain Leroy, tenta definir um sentido para a sua vida. Retoma o contacto com o círculo de velhos amigos, que o acolhem e tentam ajudar. Mas isso é suficiente, para Alain ?
  
TRECHO
 


CRÍTICA 
Este filme de 1963,  adota o mesmo título do romance do escritor francês Pierre  Drieu La Rochelle,  de 1931, que lhe serve de argumento. Na realidade, " Fogo fátuo" remete-nos para o âmago da existência humana e para as grandes questões que lhe estão associadas. 

No argumento não encontramos respostas, só perguntas.
Não há explicações científicas ou outras, para os problemas existenciais do protagonista. Apenas nos é  permitido, a nós espectadores, entrar ao de leve na mente de Alain, pelo filtro das lentes da câmara de Malle, captar-lhe a angústia nas expressões e nas palavras debitadas nos seus monólogos. E dessa forma, deparamos também com o abismo existencial que o separa das vidas "normalizadas" e aparentemente felizes dos seus velhos  amigos.
Embora o "texto" deste filme diga muito deste "mal de vivre", o essencial é-nos contado pela inteligência e subtileza de Malle, emergindo a essência do filme, no intervalo decisivo entre as palavras, numa inesquecivel visita guiada à alma humana, só possível pela primorosa cinematografia de Ghislain Cloquet e pela inesquecivel performance de  Maurice Ronet.

Um filme sobre estados de alma limite, que não é fácil recomendar, em tempos dominados por um pragmatismo emocional que só valoriza, "a boa onda", de resto exemplarmente retratada  na elite burguesa que rodeia Alain. Ao fim e ao cabo, esse é o nosso contraponto "normal", o caminho que nós escolhemos e que outros recusam.
Fazer da breve chama, um longo fogo... 

Nota: ****

☑ OSLO, 31 DE AGOSTO, de Joachim Trier

É POSSIVEL SER FELIZ AQUI ?



FICHA
Título em português: Oslo, 31 de Agosto
Título em Inglês: Oslo, 31. august
Ano: 2012
Origem: Noruega
Linguagem: Norueguês e Inglês
Duração: 95 minutos
Género: Drama
"Mood": Tristeza, angústia, depressão, dependências, suicídio.
Argumento: Joachim Trier, baseado no livro de Pierre Drieu La Rochelle, "Le feu follet", de 1931.
Cinematografia: Jakob Lhre.
Realização: Joachim Trier
Intérpretes; Anders Danielsen Lie, Hans Olav Brenner, Ingrid Olava.

SINOPSE
Um dia na vida de Anders, um jovem em tratamento de recuperação, da dependência de drogas. A pretexto de uma entrevista de emprego, ele deixa a clínica e viaja para Oslo, onde reencontra  velhos  amigos e se questiona sobre o sentido da sua vida.

TRAILER
 


CRÍTICA
O mesmo tema intemporal da procura falhada do sentido da vida, sob um prisma mais contemporâneo, do que o belo "Le feu follet", de Louis Malle.
Nesta segunda longa-metragem, do norueguês (nascido na Dinamarca) Joachin Trier, que anteriormente já tinha dado um ar da sua graça, com o refrescante "Reprise", de 2006, a cidade de Oslo, substitui a  Paris de Louis Malle e o uso  das drogas pesadas, junta-se ao álcool, num coctail, mais actual. 
 
No início, a cidade de Oslo, com as suas ruas bonitas mas semi-vazias, é-nos mostrada como a personagem inaugural do filme, nas vozes off dos habitantes, que a descrevem. Na Paris, do filme de Malle,  a solidão do protagonista, encontra o contraste marcante na cidade fervilhante de gente. Aqui, Oslo é uma cidade algo espectral e mais cúmplice da solidão de Anders.
No essencial, o argumento adaptado do livro de "La Rochelle" deixa emergir  o mesmo "mood" de solidão e angústia, as mesmas perguntas sem resposta e o idêntico confronto com a "normalidade" burguesa reinante. Interessantes são os diálogos de Anders com o amigo  Thomas, que o quer ajudar e que revela uma vida de aparente sucesso material e emocional, mas no fundo medíocre e despida de sentido, fazendo análises literárias "de livros que ninguém lê", nas palavras de Anders e jogando PlayStation com a mulher, para matar o tédio...
Significativa do contraste com a normalidade instituida, é a cena da esplanada em que nos deixamos guiar pelos sentidos apuradíssimos de Anders, nos meandros existenciais, feitos de sonhos ocos  dos ocupantes das mesas ao redor, sobretudo da rapariga que dizia querer  "plantar uma árvore, nadar com golfinhos, e escrever um livro".
Ao contrário do filme de Malle, Trier insiste mais na busca de uma certa causalidade, para a deriva existencial de Anders, expressa na  sua fixação nas relações falhadas, em especial nos constantes apelos à sua ex namorada, fazendo-nos quase acreditar que dali viria a sua cura.
A cinematografia deste filme, cumpre plenamente a missão de mostrar o património emocional de Anders, no confronto com os outros e com o cenário fantasmagórico envolvente. Mas não é tão rica de pormenores como a do filme a preto e branco de Louis Malle.
Brilhante interpretação de Anders Danielsen Lie, ele que nas palavras do realizador deste filme, "é um homem da renascença", sendo "apenas" actor, músico e escritor em part-time, já que é médico de profissão...
Oslo, 31 de Agosto.
Oslo, como cenário de  um "road movie" existencial. Um filme a não perder.
 
Nota:****
 

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