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quinta-feira, 19 de junho de 2014

☑ A PONTE SOBRE O DRINA, DE IVO ANDRIC

Ficção histórica imperdível

" A Ponte sobre o Drina", de Ivo Andric.
Original de 1942. Edição Portuguesa, de 2007, da Cavalo de Ferro. 
416 páginas.
No início, o leitor encontra-se em pleno século XVI, em Visegrad, cidade na fronteira entre a Sérvia e a Bósnia. Mehmed-Paxá, Grão-vizir, sonha ainda com o dia em que, criança, foi separado da sua família cristã, obrigado a atravessar para a outra margem do rio. É essa criança que agora, décadas depois, convertido à fé do Islão, dá a ordem de construção de uma ponte sobre o rio Drina. Esta é a história épica dessa ponte, e também a dos seus habitantes. A sua edificação exigiu anos de trabalho árduo, lágrimas e sangue, sacrifícios e vítimas. Ao longo dos séculos a ponte foi local de passagem, de encontros, de conversas, de conspirações; sofreu inundações, foi encerrada para impedir o alastrar da peste, assistiu a suicídios; sobre ela transitaram exércitos em fuga e desfilaram outros vitoriosos; nela foram executados espiões, viu o desmoronar de Impérios, e o nascer de novas nações... Romance histórico, grande épico europeu, «A Ponte sobre o Drina» pertence à categoria das obras incontornáveis da literatura mundial. 
Recensão  FNAC


Um livro para ler e reler, sobretudo para quem gosta de uma boa obra de ficção histórica, escrita com sabedoria e brilho, ao jeito de crónicas de contornos romanescos, sobre importantes períodos históricos dos Balcãs, tendo por fonte inspiradora a rica tradição oral da Bósnia natal do escritor.
A Ponte sobre o rio Drina é a personagem central deste romance, para a qual todas as outras personagens são atraídas, servindo de palco à representação de muitos acontecimentos, alguns extraordinários, a maioria triviais, de um quotidiano ordinário, marcado pela coabitação nem sempre pacífica, de diferentes culturas e credos religiosos. Uma ponte, que une e separa dois mundos  espiritualmente tão diferentes, mas basicamente tão semelhantes, nas suas forças e fraquezas humanas. As mudanças históricas, primeiro com a conquista  Otomana e a islamização e depois a substituição desse domínio pela tutela ocidentalizada do império Austro-Húngaro, enfrentando ambas a pertinaz resistência Sérvia, têm na ponte a sua resultante  e ao mesmo tempo o seu símbolo de imutabilidade e carácter perene, face  à volatilidade das impressões e demais realizações humanas.
Os dias, os anos e os séculos passam,  os sonhos, anseios, gestos e vozes sucumbem, renascem ou transmutam-se  na sucessão imparável das várias gerações de Visegradenses. Só a ponte permanece em pé até ao fim, como a testemunha imperturbável e quase imutável das transformações físicas e humanas. 
E hoje, sabemo-lo bem,  para além da ficção e da última página do livro, a ponte continua lá com a mesma imperturbável e elegante fisionomia,  mesmo depois de bombardeada e amputada, em duas grandes  guerras e de  ter sido, de novo, testemunha silenciosa de outros tristes acontecimentos da História recente dos balcãs. Até por isso, o livro é imperdível para quem quiser entender minimamente o complexo mundo dos balcâs.

terça-feira, 10 de junho de 2014

A IMAGEM QUE FALTA, de Rithy Panh (2013)

"A Imagem que falta".
L'Image manquante" (Titulo original).
De Rithy Panh. Cambodja.França (2013).
92 minutos.

Vi ontem em casa "A Imagem que falta".
Quero dar a minha opinião, antes de a inquinar com comentarios alheios.
Fatalmente irei ler o que outros  "mais credenciados" disseram.
Acho um filme extraordinario. Porque? 
Porque a forma é invulgar e  bela e o conteúdo  muito importante.
A forma, coloca as questões que são recorrentes quando se fala no significado do cinema.
Atores? Bonecos? 
Que diferença faz se o que se pretende é a ilusão e sobretudo a recriação? A utilização de imagens de arquivo permite mesclar a ficcão com a "realidade" .
O conteudo é de uma consistência à prova de ódio e de rancor.
É quase imparcial em algumas sequências. Pretende quase ouvir a outra parte e se alguma coisa eu posso apontar (talvez em próximo filme) é não o ter feito.
A Imagem perdida de um cinema reencontrado

O bom cinema é assim. 
Pressente-se toda  a magia do divino nessa arte que nasce do nada, do pó, do barro e vai ganhando corpo e alma, nas mãos de alguém que lhe vai modelando as formas e definindo as feições,  ao mesmo tempo que lhe sopra o espírito na forma inerte para lhe dar vida. E como toda a vida, só atinge a plenitude na relação e no encontro com o outro. E o outro  sou eu, este que aqui escrevo e que me predisponho a ser encontrado. E essa vida percorre por mim, o espaço que nos separa e que eu não posso percorrer, e por isso, ela é agora a luz e o som que toca as minhas estáticas superfícies sensoriais e as estimula, materializando esse encontro.
E esta é uma história contada bem ao jeito do imaginário infantil, como se estivéssemos perante aquela voz significativa das nossas memórias da infância, mas que agora, embora nos embalando, não nos deixa adormecer, porque a história é triste e parece que nós fazemos parte dela, quer queiramos quer não. Aqueles bonecos de barro, foram-nos apresentados e agora como nossos conhecidos, vivem  na nossa mente e é assim que nós imaginamos aquela pobre gente, que foi sacrificada por um grande ideal de colectivização, como se houvesse algo mais importante que as suas vidas e a sua dignidade.
As imagens reais deste despautério histórico, cometido em nome de uma putativa bondade de uma ideologia, ficaram registadas, cada uma à sua maneira, na memória dos sobreviventes e das testemunhas das atrocidades dos Khmers vermelhos, como Rithy Panh, o realizador Cambodjano. E também no celuloide dos excecutores. E se as imagens destes últimos, foram na esmagadora maioria apagadas, aquelas que ficaram gravadas nas memórias dos sobreviventes, são reconstruídas de forma singular, neste nosso encontro mágico com o filme, como um relato pungente de uma humanidade capaz do pior e do melhor.