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segunda-feira, 29 de abril de 2013

TRILOGIA DO CHILE, por Pablo Larraín

Pablo Larraín, é um cineasta chileno, da nova geração, nascido em Santiago em 1976, filho dos políticos Hernán Larraín e Magdalena Matte.

Embora seja também produtor e guionista, é conhecido essencialmente como realizador, tendo sido autor até ao momento de 5 trabalhos: Fuga (2006), Tony Manero (2008), Post Mortem (2010), Prófugos ( TV mini-séries) (2011) e No (2012).
Tony Manero, Post Mortem e No, constituem uma trilogia, dedicado ao Chile de Pinochet.

TONY MANERO (2008)
 **



Neste filme, o cenário é o Chile em 1978, em plena ditadura de Pinochet. Um homem na casa dos quarenta anos (Alfredo Castro), vive obcecado com a personagem (Tony Manero) que John Travolta interpreta em Febre de Sábado à noite, filme de 1977 de John Badham. Assiste vezes sem conta ao filme e procura imitar o ícone pop em todos os pormenores, desde as falas e poses até aos passos de dança. O seu sonho é ganhar o concurso televisivo de imitadores, que procura o Tony Manero chileno e todo o seu quotidiano é centrado nessa fuga à realidade, não hesitando em mentir, roubar e até matar, qualquer um que se atravesse no seu caminho.
Estamos no auge de uma das ditaduras mais sangrentas da América latina. A América, que patrocinou o golpe que destituiu Allende e colocou Pinochet no poder, essa América idolatrada e imitada até à exaustão é aqui o evidente objecto da sátira de Larraín. E a personagem Tony Manero, o dançarino sociopata, com o seu seguidismo dessa cultura importada, o seu silêncio autista e o profundo desprezo pelos semelhantes, serve que nem  uma luva no perfil de Pinochet.
Este filme, teve uma boa recepção da crítica, com boa visibilidade nos festivais de cinema independente, tendo conquistado prémios em Buenos Aires, Havana, Istambul, Roterdão e Varsóvia.
Evidente metáfora das ditaduras latinoamericanas e da alienação cultural que elas patrocinam, o argumento gira à volta de ideias interessantes mas a sua implementação nem sempre é consistente, parecendo às vezes deslizar para a caricatura desajeitada, não demonstrando audácia nem subtileza no que sobra da personagem de Tony Manero, que parece às vezes reduzir-se a um mero cenário pós-apocalítico.
Tecnicamente, o filme consegue um bom trabalho de reconstrução de época. A fotografia capta no essencial o bizarro das personagens e a desolação do ambiente físico e social.O ator Alfredo Castro, um habitué do cinema de Larraín, tem um trabalho notável de composição de um Tony Manero, execrável, difícil de esquecer e que foi reconhecido com prémios em vários festivais de cinema. Ele, que de resto, partilha o argumento, com Larraín.
Enfim, um filme de um  humor tão descaradamente negro, que é impossível provocar uma adesão mental ou emocional positiva por parte de quem o vê, mas que vale sobretudo pela memória transfigurada do pesadelo, que foi o Chile de Pinochet.

POST MORTEM (2010)
**
 Depois de estar em pleno  coração da besta adulta, com Tony Manero (2008), Larraín ensaia neste filme um flashback até ao momento do "parto" do Chile de Pinochet, ao jeito de "prequela", como se nesse solavanco da memória, o realizador procurasse as causas de um pathos mortal - as autópsias  servem para isso -  e ao mesmo tempo alargasse o universo de obsessões e contrastes do seu cinema.
Estamos em 1974, nos dias antecedentes e sucedentes ao golpe militar que destituiu Allende e que investiu Pinochet do seu tristemente célebre poder ditatorial.
Tal como em Tony Manero, o argumento gira á volta de uma obsessão, desta vez, o protagonista, um circunspecto e enigmático funcionário de uma morgue, tem uma fixação doentia pela vizinha da frente, uma dançarina decadente e anoréctica, cuja família está envolvida em actividades do PC chileno. A certa altura da narrativa, deparamos com a autópsia dessa dançarina perante a intrigante indiferença desse homem. Nos flashbacks que se seguem, seguimos o percurso de ambos e por fim desvendamos o enigma...
Mais uma vez Alfredo Castro, dá corpo a este personagem cinzento e anónimo, de poucas falas, que se autodefine "apenas funcionário", quando lhe questionam sobre a sua actividade. Um funcionário amorfo e apolítico, que assiste a todo o horror, com plácida inexpressividade. Ele lá está, como se fora o próprio Chile, impávido e impreparado no momento da autópsia de Allende, pronto para aceitar a tese do suicídio. Ele  auxilia na autópsia da dançarina, o seu objecto de  enamoramento e obsessão  fugazes, mas também colabora no desaparecimento "científico" dos homens e mulheres que se amontoam na morgue, no que poderemos entender como um retrato do desaparecimento do Chile de Allende, encenado de forma paradigmática na sequência final...
Um filme na linha de Tony Manero, um pouco mais ousado, mas enfermando das mesmas limitações, em grande parte decorrentes da incapacidade do realizador em lidar com as margens da matéria fílmica, da sua dificuldade em preencher os espaços em branco ao redor da personagem central do filme, mais uma vez magnificamente composta por Alfredo Castro.

☑ NO (2012)
***

E com este No, chegamos ao capítulo final da trilogia chilena de Larraín, ao momento da retirada de Pinochet do poder.
A trama de No, centra-se no referendo que o general Augusto Pinochet, realizou no Chile, em 1988, para fazer face às crescentes pressões externas e legitimar a permanência do ditador no poder. Para além de um filme, este No, é uma exemplar aula de História e de Política.
Antes de rodar o filme, Larraín, surpreendeu a produção com a exigência de uma câmara U Matic, um material já obsoleto, mas com a particularidade de ter sido usada na captação das imagens de arquivo da época a que se reporta o filme, incluindo a campanha do referendo. Com esse expediente Larraín e o seu director de fotografia, Sergio Armstrong, pretendiam uma maior coerência na montagem do material do fime e do arquivo.
O argumento de Pedro Peirano, é uma adaptação da peça teatral de Antonio Skármeta (o mesmo de O carteiro de Pablo Neruda), sobre o referendo.
O prestigiado publicitário René Saavedra (Gael Garcia Bernal), filho de um antigo político da oposição, que com o seu pai, conheceu o exílio, é convidado pelos lideres da oposição a coordenar a campanha do não a Pinochet. A oposição estava ciente de uma derrota e procurava apenas nos 15 minutos diários da campanha, agitar as águas paradas, dos 15 anos de ditadura. Por isso, os seus lideres, propunham uma campanha que desmascarasse a miséria, as desiguldades sociais, a falta de liberdade de expressão, a tortura, a morte e os desaparecimentos, quedando-se estupefactos à reação do publicitário, quando lhes garantiu que tal "produto", não vendia... Em alternativa, a proposta de campanha de René, com o seu carácter alegre, à base de jingles e danças não se distinguia muito de um vulgar anúncio de um refrigerante, curiosamente apelidado de "Free", que vimos ser exposto no início do filme.
Este cinismo e carácter politicamente amorfo e desconcertante, que Bernal encorpora de forma primorosa, vem na linha dos personagens anteriores da trilogia de Larraín, mas com algumas diferenças importantes. Digamos que o carácter de exilado, confere à personagem de Bernal uma dimensão que o Tony Manero e o funcionário da morgue, dos filmes anteriores de Larraín, não tinham. Para além do mais, estes eram seres solitários e com evidentes taras psicológicas e sociais, ao contrário de René, um homem moderno, com raízes familiares bem marcadas.
A personagem de René, está impregnada dos dogmas da publicidade, mas também é imbuída de um espírito algo blasé e naífe, deixando-se conduzir pelo instinto, alimentado inclusivé pela envolvente pueril, dos brinquedos do filho - o comboio, o skate... A esse respeito, os passeios em skate nas ruas de Santiago, são a premonição de um movimentado jogo infantil, embutido na realidade estática do mundo dos adultos. A cena em que ele, deitado no meio do brinquedo formado pelo circuíto dos carris e pela locomotiva em movimento, reflecte na campanha, dá-nos a ilusão de um atropelamento ou descarrilamento iminente, ou não constituísse o cinema, uma fonte de ilusões e de paradoxos em movimento.
Por fim, o arco-Iris do slogan do não, é o paradigma deste cinismo naífe, que infecta a política, de boas intenções e de um pragmatismo esmagador.
O fim do filme é só aparentemente um happy end, como pode ser deduzido da própria reação do protagonista. Pois se tínhamos dúvidas sobre os a priori, não duvidamos também que a posteridade, não nos trouxe necessáriamente os "amanhãs que cantam"...
 
 
 

quinta-feira, 25 de abril de 2013

☑ MARISA MONTE , no Coliseu do Porto, 24-04-2013

VERDADE UMA ILUSÃO



Depois   de    arrasar    no   Brasil   com   muitos   concertos  esgotados, a digressão “Verdade Uma Ilusão” de Marisa Monte  chegou a Portugal no dia 24 de Abril, no Coliseu do Porto.
Uma das mais respeitadas cantoras brasileiras das últimas duas décadas  regressou  ao  nosso  país,  seis  anos  depois  do último concerto.
Desta vez, a cantora,  enveredou  pela  multidisciplinaridade com o seu show  “Verdade  Uma  Ilusão”  a  digressão  que apresenta o seu último disco “O Que  Você  Quer  Saber  De Verdade” .
Este é um espectáculo, que une música e artes plásticas.  Coordenada    pela    conceituada     Luísa     Duarte,     as    obras projectadas,   são    o    reflexo    de    uma    escolha   cuidada, entre   trabalhos,  de  alguns  artistas  brasileiros   contemporâneos,   como    Luiz   Zerbini,   José Damasceno ou Jonathas de Andrade. 
Um show não é apenas assistir a um desempenho vocal de uma  cantora, mesmo que esta, com a sua  voz  e  a  sua  música   sejam convincentes. Para isso bastaria ouvir um disco.
Marisa Monte defende que um show deve ser também "uma experiência multissensorial, onde  a  música  e  os  suportes visuais  se   interligam  para  potenciar  os  significados  das canções"   e    onde   a    sofisticação    contrasta    com    o  carácter simples das composições que ela leva ao  palco.
"Não são apenas quadros que ilustram canções".

"Procurámos    ligações   e   somamos    essas     duas   linguagens  para  criar  um novo significado", disse a cantora à imprensa brasileira. 
Marisa Monte chama ao show "uma espécie de exposição de arte itinerante".  
Esse trajecto já era decifrável nos  espetáculos  anteriores   da  brasileira,  mas é ainda  mais   evidente  em  " Verdade   uma  Ilusão",  o show que Marisa  estreou  em maio    do   ano  passado  no Brasil  e que agora chegou a Portugal.
Seis anos depois de ter passado pelo  nosso  país,  Marisa Monte está de volta a Portugal, para vários concertos e nós estivemos no primeiro !

 

☑ KOLYA, de Jan Sverak

Coisas simples, ditas de forma simples


FICHA
Título: Kolya
Ano: 1996
Origem: (antiga)Checoslováquia
Linguagem: Checo e russo
Género: Drama, comédia, música
Mood: Predomina o divertimento, com alguns períodos mais tensos.
Cinematografia: Vladimir Smutny
Argumento: Pavel Taussig e Zdenek Sverak
Realização: Jan Sverak
Intérpretes: Zdenek Sverak, Andrei Chalimon, Libuse Safrankova, Ondrey Vetchy
69th Academy Awards - Best Foreign Movie.

SINOPSE
 Na antiga Checoslováquia ocupada pelos russos, Franta Louka é um talentoso violoncelista, que abandonou a Filarmónica estatal e que agora ganha a vida a tocar em funerais e a restaurar lápides. Solteirão e mulherengo incorrigivel, alinha num casamento de fachada com uma russa para ganhar uma boa soma de dinheiro e assim comprar um Trabant. Não imaginava ele, que teria de se responsabilizar pelo filho de 5 anos, que a russa deixou no país, quando emigrou para a Alemanha.

TRAILER



CRÍTICA
Um filme checo de 1996, ainda do tempo da Checoslováquia e reportando-se aos tempos da intervenção russa.
A harmonia da música, serve de fundo a este fresco da comunicabilidade humana, através da relação peculiar entre uma criança russa e um cinquentão checo, a quem ela é confiada.
Esta é uma história sobre coisas simples, contada de modo simples. 
Praga é a cidade magnífica que se despede dos seus habitantes em  luminosa harmonia musical.
De resto, é esta musicabilidade da despedida e da separação, que neste filme surpreende pela sua naturalidade e que vai marcando o compasso das relações humanas ao mesmo tempo que renova a vida da cidade e dos seus habitantes.
Depois deste filme que veio do leste, muitos filmes tentaram a ocidente, explorar oportunisticamente o filão da comunicabilidade entre humanos marcados por diferenças significativas, de raças, credos, idades e línguas, mas ao contrário deste filme checo quase sempre resvalaram para a lamechice mais pegajosa.
O segredo claro está, reside na autenticidade e na simplicidade, que nem sempre são encaradas como virtudes... 

Nota: *** 
 
 

☑ REGRA DE SILÊNCIO, de Robert Redford

As nossas lutas de ontem


FICHA
Título em português: Regra de silêncio
TÍtulo original em inglês: The company you keep
Ano: 2012
Origem: EUA
Linguagem: Inglês
Género: Drama
Mood: pessimismo, desencanto 
Cinematografia:  Adriano Goldman
Argumento: Lem Dobbs, adaptado do livro de Neil Gordon "The company you keep", de 2003.
Realização: Robert Redford
Intérpretes: Robert Redford, Shia LaBeouf, Julie Christie, Susan Sarandon, Nick Nolte, Chris Cooper

SINOPSE
Uma antiga activista política dos anos 60-70, ligada a ações catalogadas de terroristas pelas autoridades, vivendo sob falsa identidade é capturada pelo FBI, devido a um suposto envolvimento num assalto a um banco que acabou na morte de um polícia. Uma viagem ao passado dos idealismos e da luta política do grupo, é-nos revelado, quando um dos seus antigos companheiros, vivendo sob disfarce, acossado por uma investigação jornalística e pela polícia, decide lutar pela sua nova vida.

TRAILER 



CRÍTICA
"Regra de silêncio" é um filme de cunho político sobre um grupo de activistas politicos estudantis dos anos 60-70, muitos deles envolvidos em actividades catalogadas de terroristas pelas autoridades, incluindo o envovimento num assalto, que acabou com a morte de um polícia. 
Eles são forçados a viver as décadas seguintes, até à actualidade, com identidades falsas, não comunicando entre si, num autêntico voto de silêncio, daí o título do filme.
Com este fundo político, o  argumento revelava-se interessante e com potencial para explorar erosão das  ideologias pela ação do tempo e a  metamorfose que as lutas originais poderiam sofrer, perante injustiças antigas com apresentações modernas
Quando se esperava, que  daqui resultasse um saudável "lavar de roupa suja", das incoerências, inconsistências e descarrilamentos das lutas passadas, eis que somos brindados incompreensivelmente com uma trama policial, algo linear  que  opõe e contrapõe  "inocentes" e "culpados", numa lógica redutora e maniqueísta.
No fim,  "inocentes" e "culpados", têm aquilo que se esperava e nós que esperávamos muito, tivémos que nos contentar com pouco.
Pelo meio, os tiques irritantes das  produções do "mainstream" americano, com perseguições policiais e joguinhos de satélites e telemóveis...

Nota: **
 


domingo, 21 de abril de 2013

☑ SILÊNCIO, de Masahiro Shinoda

Dissonâncias no silêncio


FICHA
Título em português: Silêncio
Título em japonês: Chinmoku
Ano: 1971
Origem: Japão
Linguagem: Japonês e inglês
Género: Drama, histórico
Mood: Tristeza, violência, agonia, fé
Cinematografia: Kazuo Miyagawa
Argumento:Masahiro Shinoda, adaptado do romance de Shusaku Endo "Silence".
Realização: Masahiro Shinoda
Intérpretes:  Don Kenny, David Lampson, Shima Iwashita

CLIP



CRÍTICA
Adaptação cinematográfica da obra homónima de Shusaku Endo, "Silêncio" é um filme dramático, com algum cunho histórico, sobre o cristianismo no Japão no século XVII, numa altura em que esta religião era proíbida e os seus crentes forçados a renegá-la.
O argumento segue de perto, o relato de Endo,  acrescentando-lhe alguns elementos narrativos ausentes do livro, como a história do Samurai cristão Sanemon Okada e da sua mulher Kiku (Mónica),  na que  afinal, se vem a revelar um das cenas fortes do filme, aquando do sofrimento e abjuração de ambos. No fim do livro, sabe-se que ao apóstata Rodrigues, é-lhe ordenado que despose a viúva de um Samurai morto, sem especificar. Ora Shinoda, aproveitou a deixa, para fazer de Mónica, a humilhada sobrevivente, essa mulher. Ora, essa mulher que renegou a fé, em nome de um amor maior pelo seu esposo, vai no fim comprovar o quanto foi traída pela fé. E se isso salva, um pouco o filme da mediania, facto a que não é alheio, o desempenho convincente da atriz Shima Iwashita, também é certo que essa "inovação", subverte o espírito da ficção de Endo, no qual Rodrigues é retratado com justiça e humanidade, porque apenas apostatou pelos que sofriam e no fundo, sempre se considerando crente no seu interior. É por isso, demasiado cruel o final do filme, embora se perceba o seu interesse cinematográfico...
Um dos problemas deste e de outros filmes que adaptam obras literárias, é lidar com a matéria mental das personagens, os seus estados de alma e divagações mentais. Talvez se justificasse, no momento da abjuração de Rodrigues, colocar em voz off, os seus pensamentos, expressos de forma fortíssima e significativa na narrativa de Endo: "Pisa-me ! Eu vim ao mundo para ser pisado pelos homens !". Este clímax da narrativa literária, é algo banalizada nas imagens mas percebe-se no fundo este despojamento fílmico, à luz do cortante finale...

A figura de Cristóvão Ferreira, o apóstata procurado por Rodrigues, é um elemento fundamental do filme e de resto, muito bem representado. Os diálogos com Rodrigues são também o espelho desse choque cultural e do modo como foram "resolvidas" as dissonâncias Oriente-Ocidente. Trata-se de uma figura, que vista da actualidade, não deixa de concitar simpatia, embora na época fosse considerado o mais desprezível dos homens, que teria renegado a sua essência. Mas na realidade, nota-se que ele apenas se adaptou ao pântano cultural (visão ocidental) do Japão. "Vais fazer o maior acto de amor, que alguém pode fazer". "Até Cristo, pisaria o fumie". São as palavras fortes que atestam a complexidade fascinante deste homem, fraco apenas na aparência...
As dissonâncias Ocidente-Oriente, começam pela intrigante música de abertura, uma sobreposição de um melódico trecho ocidental e de um sincopado trecho japonês.
Figura igualmente marcante é a do japonês repetidamente apóstata, Kichijiro. O seu auto-retrato de homem fraco " que se tivesse vivido uns anos antes (da perseguição) seria um cristão exemplar", é comovente e profundamente inquietante...

Enfim, o filme de Shinoda,  não pode ser dissociado da obra de referência, que adapta, mas de um ponto de vista cinematográfico é autónomo e com uma razoável visibilidade e interesse.

Nota:**   

sexta-feira, 19 de abril de 2013

☑ FANNY E ALEXANDRE, de Ingmar Bergman

Crianças e máscaras
FICHA
Título em português: Fanny e Alexandre
Título original em sueco: Fanny och Alexander
Ano: 1982
Origem: Suécia
Linguagem: Sueco
Duração: 188 minutos e 312 minutos (Director's cut ou versão da TV sueca)
Género: Drama familiar
Mood: variável, da alegria à depressão.
Cinematografia: Sven Nykvist
Argumento: Ingmar Bergman
Realização: Ingmar Bergman
Intérpretes: Ewa Froling, Alan Edwall, Jarl Kulle, Borje Ahlstedt, Gun Walgren, Jan Malmsjo, Bertil Guve e Pernilla Allwin.

SINOPSE
Após a morte do dono de um teatro, a viúva casa com um Bispo Anglicano, e desta forma torna penosa a vida dos seus dois  filhos.

TRAILER

 

CRÍTICA
Este era o filme de despedida de Bergman, mas depois dele seguiram-se  mais 16 filmes !
Um filme assumidamente autobiográfico, não se resumindo à sua infância, vivida de facto, sob a férrea disciplina de um alto dignatário da Igreja Anglicana, na sua Uppsala natal, de resto também ela personagem, mas desdobrando-se igualmente em várias personagens adultas, que espelham cada uma delas várias marcas pessoais do realizador.
O tom geral, é portanto a um só tempo,  solitário e fraterno, realista e mágico, doce e amargo.
Neste jogo de máscaras, o teatro e a fábula são omnipresentes, sendo-nos a pouco e pouco, revelado o destino das personagens reais e imaginárias pelos olhos pueris  de Alexandre, a criança Bergman.
Um argumento que se vai definindo e  encorpando nas complexas relações familiares e progressivamente filtrada pela imaginação fervilhante das crianças, através da qual realidade e ficção são plasmadas na tela.
Uma cinematografia de contrastes, captada  na envolvência ampla quente e sumptuosa  da família Ekdahl e no seu oposto austero e gélido da residência eclesiástica.  
Um filme de singelas  ressonâncias filosóficas, que não se resolve nem extingue num final que anuncia para o futuro, a permanência inelutável dos fantasmas, no cinema de Bergman.

Nota:****  
 

sábado, 13 de abril de 2013

☑ SILÊNCIO, de Shusaku Endo

A palavra calada
FICHA
Autor: Shusaku Endo
Nacionalidade: Japonesa
Ano da edição original em japonês: 1966
Ano da tradução portuguesa (da versão Inglesa): 2010
Editora: Dom Quixote
Género: Drama
Páginas: 272
FNAC 

SINOPSE (FNAC)


Uma fascinante introspecção que questiona o silêncio de Deus perante a agonia dos que nele crêem.

Silêncio, cuja acção decorre no século XVII, conta-nos a história de um missionário português envolvido na aventura espiritual da conversão dos povos orientais, o qual acaba por apostatar, após ter sido sujeito às mais abomináveis pressões das autoridades japonesas, para evitar que um grupo de fiéis seja por ordem delas torturado até à morte. Antes de chegar ao Japão, a sua viagem leva-o a Goa, depois a Macau e, finalmente, a Nagasáqui e Edo, em etapas que pouco a pouco o transportam a esse Oriente hostil, onde no entanto já se contam alguns milhares de convertidos à fé católica.
Aí descobre, na luta contra as pessoas e o ambiente adversos, a verdadeira fé, liberta de todo o aparato externo, eclesiástico ou mundano. E aí acaba por experimentar a derradeira solidão, que é o destino daqueles que quebram a comunhão com o que mais profundamente marca a sua identidade.
"Fica-se quase doente ao ler Silêncio, mas rendemos-nos à verdade e força dos estados de alma e das confissões das personagens. As descrições da natureza são magníficas: as estações do ano, as árvores, as cigarras, o concerto dos pequenos animais da floresta."
Urbano Tavares Rodrigues , in Leitura Gulbenkian, 2010

 
 APRECIAÇÃO
Um livro fascinante, a vários níveis.
Em primeiro lugar, porque é uma narrativa introspectiva de um grande escritor japonês, católico, num país com menos de 1% de cristãos.
Como não podia deixar de ser, este livro aborda vários temas ligados ao Cristianismo, no Japão do século XVII, durante os tempos de perseguição e tentativa de eliminação desta religião pelas autoridades japonesas.
Este é um livro sobre o silêncio de Deus, perante o sofrimento daqueles que o professam, quando são perseguidos e torturados até à morte, forçados a renegar, da forma mais abjecta as suas convicções mais profundas e a substituí-las pela religião oficial, o Budismo. Reflecte também a resistência, no silêncio e na clandestinidade, de uma Igreja, escondida de novo nas catacumbas.
A personagem principal do livro, é um padre jesuíta Português, que parte para o Japão, na tentativa de descobrir o paradeiro e as razões que levaram o seu mestre, o reputado e experiente Padre Cristovão Ferreira, a apostatar, após 20 anos de missão.
O que encontra no Japão, é o terrível martírio   dos cristãos, às mãos de um governo maquiavélico e implacável,  acabando ele por assumir, nessa comunhão com o sofrimento dos crentes,  o seu Gólgota pessoal e no paroxismo da angústia e sofrimento,  questiona o silêncio de Deus, situação que no limite, constitui o verdadeiro teste à sua fé.
O choque de culturas é uma vertente interessante do livro, eloquentemente descrito pelo padre apóstata Ferreira, que descreve o Japão do século XVII, como "um pântano onde apodrecem as raízes da fé Cristã por eles plantadas", um cristianismo sem seiva ou substância, decalcado meramente dos rituais budistas. Ou ainda das palavras do maquiavélico inquiridor, o cristianismo não passava da "mulher feia, pegajosa e manipulativa", de quem o marido(Japão) se procurava livrar.
Mas o livro vai mais além da curiosidade meramente cultural e é lido como um relato impressionante do sofrimento e da solidão daqueles que são forçados a renegar as suas mais profundas convicções, no fundo violando a sua identidade. 
Este livro evoca, em muitos aspetos, Graham Greene, outro incontornável escritor católico, em " O poder e a glória", de 1940.
Um livro, que se lê de um só fôlego, mas como   diz Urbano Tavares Rodrigues, que cito também para dissipar eventuais pruridos e preconceitos anti-católicos, ele que não é nada dessas bandas, "fica-se quase doente ao ler Silêncio".
  
Do Autor 


Apontado como um dos mais refinados escritores do século XX, Shusaku Endo (1923-1996) escreveu a partir da perspectiva fora do comum de ser japonês e católico. Nascido em Tóquio, Endo foi baptizado aos 12 anos, numa altura em que os cristãos representavam menos de 1% da população japonesa. 
Formou-se em literatura francesa, pela Universidade de Keio e estudou durante algum tempo em Lyon como bolseiro do governo japonês. 
O seu estilo de escrita, tem sido sucessivamente comparado ao de Graham Greene, que alíás o considerava um dos maiores escritores do século XX. 
De entre as suas obras mais representativas, além de Silêncio, destacam-se também O Samurai e Rio Profundo
Shusaku Endo foi galardoado com os mais importantes prémios literários do seu país, e por diversas vezes nomeado para o prémio Nobel da Literatura. 
Silêncio está para ser adaptado ao cinema por Martin Scorsese, em parceria com o argumentista, Jay Cocks (Gangs de Nova Iorque), um projecto que há mais de uma década procura concretizar.  
Entre nós, João Mário Grilo, usou-o no argumento do seu filme de 1996 "Os olhos da Ásia", um filme que já merecia uma edição em DVD. 
Enquanto esperamos por Scorsese, ( talvez eternamente), poderemos apreciar o filme "Chinmoku (Silence)" do japonês, Masahiro Shinoda, de 1971.