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sexta-feira, 29 de março de 2013

23 de Julho e 31 de Agosto: a chama de um só dia

"Fogo fátuo" de Louis Malle e "Oslo, 31 de Agosto", de Joachim Trier.
Paris, 23 de Julho.
Oslo, 31 de Agosto.
Dois lugares e duas datas diferentes, mas o mesmo dia e um único destino. 
Dois olhares cruzados, sobre a chama efémera de uma vida.

☑ FOGO FÁTUO, de Louis Malle

MALLE DE VIVRE




FICHA
Título em português: Fogo fátuo
Título original em francês: Le feu follet
Ano: 1963
Origem: França
Linguagem: Francês
Duração: 108 minutos
Género: Drama
"Mood": Tristeza, angústia, depressão, dependências, suicídio.
Música: Erik Satie 
Cinematografia: Ghislain Cloquet
Argumento: Louis Malle, baseado no romance de Pierre Drieu La Rochelle, "Le feu follet", de 1931. E também inspirado pelo livro de Scott Fitzgerald "Babylon revisited", de 1930-1931.
Realização: Louis Malle
Intérpretes: Maurice Ronet, Jeanne Moreau, Alexandra Stewart, René Dupuis, Léna Skerla. 

SINOPSE
Após um tratamento de alcoolismo numa clínica privada, Alain Leroy, tenta definir um sentido para a sua vida. Retoma o contacto com o círculo de velhos amigos, que o acolhem e tentam ajudar. Mas isso é suficiente, para Alain ?
  
TRECHO
 


CRÍTICA 
Este filme de 1963,  adota o mesmo título do romance do escritor francês Pierre  Drieu La Rochelle,  de 1931, que lhe serve de argumento. Na realidade, " Fogo fátuo" remete-nos para o âmago da existência humana e para as grandes questões que lhe estão associadas. 

No argumento não encontramos respostas, só perguntas.
Não há explicações científicas ou outras, para os problemas existenciais do protagonista. Apenas nos é  permitido, a nós espectadores, entrar ao de leve na mente de Alain, pelo filtro das lentes da câmara de Malle, captar-lhe a angústia nas expressões e nas palavras debitadas nos seus monólogos. E dessa forma, deparamos também com o abismo existencial que o separa das vidas "normalizadas" e aparentemente felizes dos seus velhos  amigos.
Embora o "texto" deste filme diga muito deste "mal de vivre", o essencial é-nos contado pela inteligência e subtileza de Malle, emergindo a essência do filme, no intervalo decisivo entre as palavras, numa inesquecivel visita guiada à alma humana, só possível pela primorosa cinematografia de Ghislain Cloquet e pela inesquecivel performance de  Maurice Ronet.

Um filme sobre estados de alma limite, que não é fácil recomendar, em tempos dominados por um pragmatismo emocional que só valoriza, "a boa onda", de resto exemplarmente retratada  na elite burguesa que rodeia Alain. Ao fim e ao cabo, esse é o nosso contraponto "normal", o caminho que nós escolhemos e que outros recusam.
Fazer da breve chama, um longo fogo... 

Nota: ****

☑ OSLO, 31 DE AGOSTO, de Joachim Trier

É POSSIVEL SER FELIZ AQUI ?



FICHA
Título em português: Oslo, 31 de Agosto
Título em Inglês: Oslo, 31. august
Ano: 2012
Origem: Noruega
Linguagem: Norueguês e Inglês
Duração: 95 minutos
Género: Drama
"Mood": Tristeza, angústia, depressão, dependências, suicídio.
Argumento: Joachim Trier, baseado no livro de Pierre Drieu La Rochelle, "Le feu follet", de 1931.
Cinematografia: Jakob Lhre.
Realização: Joachim Trier
Intérpretes; Anders Danielsen Lie, Hans Olav Brenner, Ingrid Olava.

SINOPSE
Um dia na vida de Anders, um jovem em tratamento de recuperação, da dependência de drogas. A pretexto de uma entrevista de emprego, ele deixa a clínica e viaja para Oslo, onde reencontra  velhos  amigos e se questiona sobre o sentido da sua vida.

TRAILER
 


CRÍTICA
O mesmo tema intemporal da procura falhada do sentido da vida, sob um prisma mais contemporâneo, do que o belo "Le feu follet", de Louis Malle.
Nesta segunda longa-metragem, do norueguês (nascido na Dinamarca) Joachin Trier, que anteriormente já tinha dado um ar da sua graça, com o refrescante "Reprise", de 2006, a cidade de Oslo, substitui a  Paris de Louis Malle e o uso  das drogas pesadas, junta-se ao álcool, num coctail, mais actual. 
 
No início, a cidade de Oslo, com as suas ruas bonitas mas semi-vazias, é-nos mostrada como a personagem inaugural do filme, nas vozes off dos habitantes, que a descrevem. Na Paris, do filme de Malle,  a solidão do protagonista, encontra o contraste marcante na cidade fervilhante de gente. Aqui, Oslo é uma cidade algo espectral e mais cúmplice da solidão de Anders.
No essencial, o argumento adaptado do livro de "La Rochelle" deixa emergir  o mesmo "mood" de solidão e angústia, as mesmas perguntas sem resposta e o idêntico confronto com a "normalidade" burguesa reinante. Interessantes são os diálogos de Anders com o amigo  Thomas, que o quer ajudar e que revela uma vida de aparente sucesso material e emocional, mas no fundo medíocre e despida de sentido, fazendo análises literárias "de livros que ninguém lê", nas palavras de Anders e jogando PlayStation com a mulher, para matar o tédio...
Significativa do contraste com a normalidade instituida, é a cena da esplanada em que nos deixamos guiar pelos sentidos apuradíssimos de Anders, nos meandros existenciais, feitos de sonhos ocos  dos ocupantes das mesas ao redor, sobretudo da rapariga que dizia querer  "plantar uma árvore, nadar com golfinhos, e escrever um livro".
Ao contrário do filme de Malle, Trier insiste mais na busca de uma certa causalidade, para a deriva existencial de Anders, expressa na  sua fixação nas relações falhadas, em especial nos constantes apelos à sua ex namorada, fazendo-nos quase acreditar que dali viria a sua cura.
A cinematografia deste filme, cumpre plenamente a missão de mostrar o património emocional de Anders, no confronto com os outros e com o cenário fantasmagórico envolvente. Mas não é tão rica de pormenores como a do filme a preto e branco de Louis Malle.
Brilhante interpretação de Anders Danielsen Lie, ele que nas palavras do realizador deste filme, "é um homem da renascença", sendo "apenas" actor, músico e escritor em part-time, já que é médico de profissão...
Oslo, 31 de Agosto.
Oslo, como cenário de  um "road movie" existencial. Um filme a não perder.
 
Nota:****
 

domingo, 24 de março de 2013

☑ A LISTA DE SCHINDLER, de Steven Spielberg

 
Na lista dos inesquecíveis
 


FICHA
Título: A Lista de Schindler ( original em inglês: "Schindler´s list")
Ano: 1993
Origem: EUA
Linguagem: Inglês
Duração: 195 minutos
Género: Drama, Biografia, História, Guerra
Argumento: Steven Zaillian, baseado no livro de Thomas Keneally "Schindler's Ark", de 1982(baseado por sua vez no relato de um judeu sobrevivente: Poldek Pfefferberg).
Realização: Steven Spielberg
Intérpretes: Liam Neeson, Ben Kingsley, Ralph Fiennes
 
SINOPSE
Oskar Schindler, um industrial alemão, não era própriamente uma boa pessoa, quando se moveu para Cracóvia, durante a II guerra, a fim de ganhar dinheiro com a mão de obra barata dos Judeus e com o contrabando. No entanto, o confronto com a barbaridade do Nazismo a que pertencia, despertou nele um surpreendente senso de humanidade, que o fez gastar todas as suas energias e dinheiro para salvar um grande número de Judeus.
 
TRAILER 
  


CRÍTICA
Filmes que abordam temáticas fortemente emotivas, como o holocausto nazi, ou o terrorismo, que embora sejam  obras de ficção, invariávelmente têm por base reconhecidos factos históricos  e que por outro lado, pela enorme violência física e emocional inerente aos  assuntos que abordam, concitam o consenso do mundo civilizado, são de análise objectiva muito problemática.
Este filme é um bom exemplo, desta dificuldade, e  decerto o seu "ranking" popular, não deixa de reflectir essa dualidade, não se sabendo ao certo onde começa o mérito cinematográfico e acaba o unanimismo sentimental que o impregna.
Certamente que não haverá uma pessoa normal, que não fique tocada, com a avalanche de injustiça, maldade e desprezo absoluto pela vida humana, que é a tónica dominante deste filme e por outro lado que não se identifique e anime com a justiça, a bondade e a defesa da vida, que é tomada em mãos por um só homem, no meio da barbárie dominante. Poder-se-á dizer que o filme é sobre essa luta, quase sempre desigual e solitária, onde o lema é "salvar uma vida é salvar o mundo inteiro".
De certa forma, o filme arriscava-se a ficar  refém desta  premissa maniqueista e redutora da luta entre o bem e o mal, não fora o desenho mais cuidado e realista das personagens, sobretudo  da de Schindler (Liam Neeson), que nos é apresentado no início como um homem vaidoso, ganancioso e mulherengo, traindo repetidamente a mulher e que não hesitou em servir-se do trabalho "escravo" dos judeus. Mesmo, a sua posterior "conversão" interior, não o transformou num anjo, uma vez que foi pactuando pragmática e friamente com o regime, pois só assim poderia levar avante o seu desígnio.
Amon Goeth (Ralph Fiennes), por outro lado, não é o estereótipo do oficial Nazi, fortemente ideologizado e  "que cumpre ordens". Na verdade, ele apresenta-se como o poder absoluto, que não depende de ordens, mas apenas da sua vontade e humores. A este respeito, curiosa é a sua conversa com Schindler sobre poder e perdão e como tentou sem êxito, usar o perdão como instrumento de poder.
Em suma, estas duas personagens, encarnam as duas faces do poder, uma a nivel material, a outra de âmbito espiritual.
Mérito de Spielberg, em intercalar   esta história de poder, entre as muitas histórias dramáticas de impotência deste filme.
 
A fotografia a preto e branco, procura provocar o necessário afastamento e enquadramento histórico. A introdução furtiva de cor nalgumas personagens e objectos, não são meras pinceladas artísticas, e pretendem  acentuar a unidade narrativa, por exemplo no caso da menina de vestido vermelho, que é vista por Schlinder    caminhando ao acaso entre a matança e mais tarde, é fácilmente identificada morta num monte de cadáveres, como se tivéssemos seguido uma personagem numa mini-narrativa à parte.
Por fim, um  sóbrio equilíbrio da luz e da sombra, confere autenticidade  ao  curso dramático do filme.
Grandes desempenhos de Ralph Fiennes e de Liam Neeson. E uma palavra de apreço por Spielberg, que filmando com o coração, teve neste filme um justo reconhecimento. 
Em suma, um filme que consegue sobreviver a si mesmo, na medida em que proporciona muito mais do que a catarse emocional que desencadeia.
E por tudo isso, é um filme nada fácil de esquecer.

Nota:****

quarta-feira, 20 de março de 2013

AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO, de Miguel Gomes

 
HISTÓRIAS DA ALDEIA CONTADAS POR UM TIPO DE LISBOA
 
 
FICHA
Título: Aquele querido mês de Agosto
Autor: Miguel Gomes
Ano: 2007
Origem: Portugal
Linguagem: Português
Duração: 147 minutos
Género: Documentário,Música, Romance
Argumento: Telmo Churro, Miguel Gomes e Mariana Ricardo
Realização: Miguel Gomes
Intérpretes: Sónia Bandeira, Fábio Oliveira, Miguel Gomes
 
SINOPSE
O interior de Portugal, desertificado por natureza, enche-se de gente em Agosto. Emigrantes regressam, e com eles as romarias, o fogo de artifício e o karaoke. Eles bebem cerveja, saltam da ponte, caçam,  jogam e fazem amor. Entretanto, à procura de um filme, um director e equipa  resistem à tentação de entrar na festa. A narrativa, trata da relação entre  um pai e uma filha  e destes com os  primos, todos músicos de uma banda, numa mistura cinéfila de  documentário  e filme romântico.
 
TRAILER
 

 
 
CRÍTICA
Ontem vi "Aquele querido mês de agosto", de Miguel Gomes.
Eu não o teria deixado filmar mais.
Não poderia imaginar que aquele realizador estivesse hoje nas bocas do mundo cinéfilo.
Eu continuo sem perceber como, mas é um problema meu.
Já aconteceu com outros e nessa altura temos uma boa desculpa que é: "eu não sou crítico".
O filme é uma combinação triste de lugares comuns e de histórias da aldeia, contadas por um tipo de Lisboa.
Também, coloca as próprias  filmagens do filme, como protagonista, sem qualquer originalidade.
Bom, devo dizer, que pelo menos, entre este e o "Tabu", ele aprendeu bastante.

Nota:*

A TRAVESSIA, de Cormac McCarthy

A FORÇA  DA ESCRITA


FICHA
Título: A travessia (original em Inglês "The crossing")
Autor: Cormac McCarthy
Origem: EUA
Ano: 1994 (original) e 2012 (versão portuguesa)
Género: Ficção e Romance
Edição portuguesa: Relógio D'água
Nº de páginas: 408

SINOPSE
"A Travessia" tem por cenário os ranchos do Sul dos EUA durante os anos que antecederam a II Guerra Mundial e narra as aventuras de Billy Parham, de dezasseis anos, e do seu irmão mais novo, Boyd. Fascinado por uma ardilosa loba que tem atacado a propriedade da família, Billy captura o animal. Mas, ao invés de o matar, parte em busca da sua origem — as montanhas do México — com o intuito de o devolver ao seu ambiente natural. No regresso, Billy depara-se com um mundo irreversivelmente mudado. A perda da sua inocência tem um preço e, mais uma vez, o horizonte brilha com a sua desoladora beleza e cruel promessa.
«McCarthy escreve prosa tão límpida como uma bala que atravessa o ar, constrói contos tão poderosos como irresistíveis. São histórias sobre pessoas tão reais como as terras que habitam, tão perturbantes como os rituais de que fazem parte.»
Daily Telegraph

«Os admiradores de "Belos Cavalos" quase não precisam de ser encorajados... McCarthy fala-nos no tom entusiasmante e apocalíptico de um profeta do Antigo Testamento.»
Sunday Telegraph

IMPRESSÃO
Não gostava que estas palavras fossem consideradas de crítica literária ou mesmo de qualquer crítica.
Uma oração, talvez fosse mais apropriado, mas por pudor não lhe chamarei assim.
Este livro, faz parte do ciclo da fronteira (com o méxico) e há um filme sobre um deles: "No Country for old men", de 2005, filmado pelos irmãos Coen, em 2007 ("Este país não é para velhos", em português).
É uma escrita minuciosa mas longe do aborrecimento.
Uma força quase palpável brota da escrita deste fascinante contador de histórias.
Os personagens e a natureza disputam o protagonismo. Nada é fácil e não há facilidades.
A relação é dura, leal e quase religiosa. A fome e as dores quase as sentimos. Os personagens não têm suporte, âncoras ou um porto seguro. Vagueiam entre a bondade e a maldade, como entre a chuva.
Não percebo, como este autor, não é mais divulgado.
Talvez a sua teimosia em viver longe dos holofotes dos media ajude a explicar.
Eu acho, que mais cedo ou mais tarde, todos irão gostar de o ler.



Do Autor:
                                          (Cormac McCarthy)

The Orchard Keeper (1965)
Outer Dark (1968)
Child of God (1974)
Suttree (1979) Blood Meridian, or the Evening Redness in the West (1985)
All the Pretty Horses (1992) - Filme de Billy Bob Thornton   "Espírito Selvagem" (2000)
The Crossing (1994) - A TRAVESSIA 
Cities of the Plain (1998)
No Country for Old Men (2005) - ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS (filme dos irmãos Coen, de 2007)
The road (2006) - A ESTRADA (filme de John Hillcoat, de 2009)
Sunset Limited (peça teatral)
The Stonemason (peça teatral) (1995)
The Gardener's Son (roteiro) (1976)

The "border trilogy" compreende os livros: "All the pretty horses" (1992), "The Crossing" (1994) e  "Cities of the plain" (1998)

segunda-feira, 18 de março de 2013

☑ HITCHCOCK, de Sacha Gervasi


Um olhar distraído, sobre um clássico

FICHA
Título: Hitchcock
Ano: 2012
Origem: EUA
Linguagem: Inglês
Duração: 98 minutos
Género: Biografia, Drama.
Argumento: John J. McLaughlin, baseado no livro de Stephen Rebello "Alfred Hitchcock and the making of Psycho", de 1990.
Realização: Sacha Gervasi
Intérpretes: Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlett Johansson, James D'Arcy, Jessica Biel, Danny Huston.

SINOPSE
Corre o ano de 1959 e Alfred Hitchcok e sua mulher, a argumentista, Alma Reville, enfrentam resistências dos estúdios de Hollywood ao seu trabalho criativo e alguma pressão para a reforma do realizador. Hitch, decide recuperar o fulgor de outrora e adaptar o livro de terror "Psycho", mas para isso tem de ser ele a financiar o filme, hipotecando a casa. É um tempo de risco e muita pressão que afecta a relação do realizador com Alma.

TRAILER 

 


CRÍTICA
Será que um making of de um filme, é como uma anedota explicada e por isso sem graça, como sugeriu, a propósito deste filme, um crítico ?
Não necessáriamente...depende do peso do filme-objecto e da audácia e substância do making of.
Neste caso concreto não se trata de um verdadeiro making of, habitualmente uma extensão ou extra do filme original, feito por alguém da equipa, mas sim de um filme simulacro de um making of, tendo por base um livro de alguém que supostamente teve acesso a informações em relação ao modo como foi rodado o filme Psico. Logo à partida, há portanto, uma certa desonestidade intelectual, de quem trata este filme meramente como um making of e de forma quase pavloviana, usa o preconceito ridiculo da anedota explicada, como locomotiva de razões para depreciar o filme e lhe negar inclusivé o direito a um certo enredo marginal à construção do filme Psico. Se isto não é  uma crítica totalitária, digna de um III Reich, anda lá perto...
A questão aqui é saber se é interessante ver a filmagem de Psico por outros angulos e ver até que ponto é fascinante ver actores a fazer de actores, ou seja uma representação da representação. E depois, não é possível "explicar" uma cena e este filme não teve tamanha pretensão. A cena da preparação da morte no duche é o exemplo mais evidente, de que este é também um outro  filme, para além do filme a que se reporta e merece ser visto como tal. Mas paradoxalmente, para este filme ser considerado autónomo, ter a carta de alforria,  é preciso ter presente o Psico original e parece que esse é o problema de muitos analistas...Esta cena é de facto, como no Psico original, uma das chaves deste filme, na medida em que o medo ensaiado da Scarlett, que faz de Janett que faz de Marion, só é o autêntico medo, quando se quebra esta cadeia de representação, quando o medo diferido e virtual passa a actual e real, ou seja, passa vivo e inteiro para a tela.
Já quanto à pertinência do enredo marginal ao making of de Psico ( já vimos que não é) é de admitir então para muitos pensantes, que o Sr. Hitchcock, fez o Psico sem levar os seus fantasmas, fobias, paranoias e obsessões para o set e que isso não influenciou nada a construção do filme. Seria muito melhor a comédia e o toque de assédio sórdido às loiras actrizes, para apimentar a coisa, alvitram uns, ou que é descabido e de mau gosto o convívio mental com o proto Norman, acrescentam outros,  ou ainda que  é dada demasiada importância à mulher Alma, argumentam uns e outros.
Apesar da defesa que faço do filme, de uma certa irracionalidade delirante e preconceituosa, não deixo de salientar que a união entre as pontas soltas é o maior calcanhar de Aquiles deste filme. Seria interessante fazer a representação  do medo, que é o tema forte de "Psico", como uma corrente que circulasse entre todas as pontas da narrativa e isso só é parcialmente conseguido, resultando um olhar algo distraído sobre as grandes obsessões do "grande mestre do Suspense".
 
Nota: ***

domingo, 17 de março de 2013

☑ PSICO, de Alfred Hitchcock

Um verdadeiro clássico redescoberto

FICHA
Título: Psico (original: "Psycho")
Ano: 1960
Origem: EUA
Duração: 109 minutos
Género: Suspense, Terror.
Argumento: Joseph Stefano, baseado no livro de Robert Bloch, "Psycho", de 1959, por sua vez baseado na história verídica de Ed Gein, o assassino do Wisconsin.
Realização: Alfred Hitchcock
Intérpretes: Anthony Perkins, Janet Leight, Vera Miles.
SINOPSE
Marion Crane (Janet Leight), é uma jovem escriturária de Phoenix, que um dia rouba 40.000 USD de um cliente do escritório e foge ao encontro do seu amante. No caminho, tem que pernoitar num isolado motel, administrado por um jovem, subjugado por sua mãe dominadora...

TRAILER

CRÍTICA
Numa célebre entrevista a François Truffaut, Hitchcock disse que o que fez a diferença em Psicho,  não foi as audiências serem  servidas por grandes performances ou por um roteiro particularmente aterrorizante, mas sim a experiência de puro cinema, que irrompeu do filme e as despertou.  
Foram os espectadores que foram "dirigidos" por Hitchcock, "que jogou com eles", como ele admitiu, nessa entrevista.
O processo de construção das personagens é um aspecto crucial em Psycho. A personagem Marion Crane, por exemplo, que começa o filme na posição de protagonista, é desenhada como a mulher que embora cometa um crime, fá-lo em circunstâncias que nós espectadores tendemos  a compreender e de certa forma até, a considerá-la inocente, uma característica comum a muitas personagens dos filmes de Hitchcock.
Com a chegada de Marion ao motel de Bates, o filme entra noutra fase, que demonstra todo o génio de Hitchcock,  a da "relação" entre Marion e Norman, que rápidamente desemboca num dos climax da narrativa, a celebérrima cena da morte de Marion no duche e a subsequente ocultação das provas do crime, desaparecendo a protagonista com apenas um terço do filme e assumindo-se então Norman como o protagonista !

Nesta fase, até ao segundo clímax, quase no final,  a personagem de Norman e a complexidade patológica da relação com a mãe é nos revelada, com todo o seu cortejo de horror. 
Hitchcock trata-nos como verdadeiros espreitas, que pelo buraco da parede do hall do motel e pela janela da sinistra casa dos Bates,  assistimos  a tudo petrificados.
Mas os nossos olhos são filtrados pela mestria de Hitchcock em decompor  e  reconstruir o real, como na célebre cena da morte no chuveiro, onde a tensão erótica, de um corpo de mulher nua mas oculto no resguardo do chuveiro,  resvala para a experiência definitiva do  pânico mais visceral e nessa cena não se vê nudez nem golpes no corpo, nem sangue vivo a jorrar como nos filmes de terror contemporâneos, apenas a mistura de água e sangue, escoando  a preto e branco, no vazio da banheira. E claro, os olhos  esbugalhados  de Marion, fitando a morte.
Este é um filme prodigioso e intemporal sobre os nossos medos mais profundos. E uma experiência de puro cinema, como bem lembra o seu autor.
Nota: *****

☑ GUIA PARA UM FINAL FELIZ, de David O. Russell

GUIA PARA MAIS UM FILME INSÍPIDO
 
FICHA
Título: Guia para um final feliz (original: "Silver Linings playbook")
Ano: 2012
Origem: EUA
Linguagem: Inglês
Duração: 122 minutos
Género: Comédia, Drama, Romance.
Argumento: David O. Russell, baseado no livro de Matthew Quick, "Silver Linings Playbook", de 2008.
Realização: David O. Russel
Intérpretes: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence e Robert de Niro
 
SINOPSE
Pat (Bradley Cooper), sofre de um distúrbio bipolar  e é internado numa instituição mental. Quando tem alta, a sua liberdade é restringida por imposição legal, não podendo se aproximar da mulher, Nikki, em virtude de ter agredido o amante desta, quando os apanhou em flagrante. No regresso a casa dos pais, tenta reconciliar-se com Nikki, mas entretanto conhece Tiffany(Jennifer Lawrence), uma jovem viúva, também  com problemas psicológicos. A princípio, Pat encara Tiffany como uma ponte para chegar a Nikki, mas com ela vai aprendendo a viver o lado bom da vida...
 
TRAILER
 


CRÍTICA
David O. Russell, não é um nome qualquer, ou não fosse ele  contínuamente reverenciado pela crítica, veja-se a sua posição nº 37 na lista do respeitável  britânico The Guardian, "40 best directors" , lista que diga-se em abono da verdade, reune um belo naipe de consensuais, uns quantos esquecimentos (O melhor Clint Eastwood, não entra ?) e alguns flops (Walter Sales, em 23, á frente de Kitano, S. Makhmalbaf, Linklater, Miike e Van Sant, really ?!).
Embore já se aventurasse por outras  temáticas, veja-se o exemplo de  "Três reis" de 1999, uma reflexão ligeira sobre a presença dos americanos na guerra do golfo, o seu terreno por excelência é  o já muito batido trilho da  família americana disfuncional, glosada  na comédia  "os psico-detectives" de 2004, no drama biográfico "The fighter - O último round", de 2010 e agora neste "Guia para um final feliz", de 2012.
Embora goze alguma fama de cineasta "independente", a verdade é que o resultado dos seus filmes é invariávelmente "mainstream",   no pior sentido que encerra este rótulo, ou seja, na exploração e recauchutagem  de velhas  fórmulas já gastas, sob o manto diáfano da originalidade e profundidade. 
Neste filme os temas da doença bipolar, do luto, da perda e da solidão, são aflorados sem grande sensibilidade ou critério, submetendo-se à lógica de uma certa normalidade inerente à comédia romântica,   onde já é sabido,  o amor tudo  limpa, cura ou redime. Exceptuando a personagem de Tiffany, que tem alguma espessura e autenticidade  psicológica, ou não  afirmasse  ela a certa altura, " haverá sempre em mim uma parte suja e desleixada mas eu gosto", as demais personagens são unidimensionais, no caso de Pat, muito por culpa da deficiente performance de Bradley Cooper, no caso do "boneco" interpretado por De Niro, não há mesmo nada a fazer, é a lógica da narrativa que empurra os personagens secundários para papéis irremediávelmente caricaturais. Daqui resulta, que a amostragem  das relações inter-pessoais e sobretudo intra-familiares é meramente documental ou decorativa.
Jennifer Lawrence, apesar da verdura dos seus 22 anos (!) acaba por salvar este filme da completa irrelevância. O resto é uma narrativa certinha e previsível, tecnicamente bem apresentada, para desfrutar como uma chiclete, até ao "happy end" prometido. Depois...

Nota: **


 
 

segunda-feira, 11 de março de 2013

☑ LINCOLN, de Steven Spielberg & ☑ Young Mr. Lincoln, de John Ford

O BRILHO DOS BITS 

FICHA
Título: Lincoln
Origem: EUA
Linguagem: Inglês
Ano: 2012
Duração: 150 minutos
Género: Drama, Histórico, Poliítico.
Argumento: Tony Kushner, baseado no livro de Doris Kearns Goodwin "Team of rivals: The political genius of Abraham Lincoln" (2005)
Realização: Steven Spielberg
Intérpretes: Daniel Day-Lewis, Sally Field, David Strathairn, Tommy Lee Jones e Joseph Gordon-Levitt
 
SINOPSE
Início de 1865, 5º e último ano da guerra civil americana. Lincoln, iniciara o seu 2º mandato e com a previsível vitória militar no horizonte, a 13ª emenda, que consagraria na constituição o fim definitivo da escravatura, era para si uma questão essencial e decisiva. Esta questão não só fracturara a nação em norte e sul, mas dividia profundamente o próprio partido republicano, de Lincoln e contava com a oposição feroz dos democratas. Em desvantagem aparente, até onde iria Lincoln, para fazer aprovar esse texto ?
 
TRAILER
 
 

CRÍTICA
Um filme sobre o génio político de Abraham Lincoln, tal como o livro da historiadora Doris Kearns Goodwin, que serviu de base ao argumento de Tony Kushner, bem documenta. 
O homem que escolheu viver no "tempo certo", como um soldado lhe sentenciou, a certa altura do filme, tinha nos ombros o enorme peso de governar a América, num período particularmente  doloroso, com questões fracturantes por resolver e que estavam  na génese de uma guerra longa e trágica que assolava a jovem nação . Lincoln, tinha sido eleito e reeleito como um anti-esclavagista convicto e era amado e odiado em partes quase iguais pelos americanos.No decurso da guerra, tinha proclamado a libertação dos escravos, a coberto do expediente legal do confisque da "propriedade" dos estados rebeldes, mas ele sabia que mal a guerra acabasse, esse estratagema não mais teria suporte legal. Daí a importância da 13ª emenda à constituição dos EUA, pela qual Lincoln se bateu, mesmo contra grande parte dos membros influentes do seu próprio partido e a encarniçada oposição do partido democrata. Por aqui se via claramente que a questão do anti-esclavagismo era apenas um exercício de retórica por muitos daqueles que o defendiam, porque na prática temiam o "enegrecimento" da América.Esta grande causa da abolição da escravatura na América, não só está ferida neste ponto, mas também nos meios que foram usados para comprar os votos necessários à sua aprovação no senado. Não deixa de ser significativo o estado de espírito do grande defensor da causa, o senador Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones), quando no auge  da euforia com a aprovação, usa do mais arrassador sarcasmo ao "grande feito" da América !
Esta é a matéria do filme. Um tratado de princípios políticos e de  "realpolitik". Um Lincoln reincarnado com o perfeccionismo inigualável de Daniel Day-Lewis, e com a abordagem sóbria e plausível  de Steven Spielberg, num excelente retrato de época. Um registo que não se desvia da  teatralidade, muito ao estilo habitual de Kushner, mas que se ajusta perfeitamente aos temas centrais do filme, ou seja a oratória estéril do "status quo", em oposição à palavra fértil, um legado de Lincoln. Um filme importante, para ser sempre lembrado, nas grandes questões da história americana.

Nota: ****

                                                   O ENCANTO DO SÉPIA






FICHA
Título: A grande esperança (Original em Inglês: "Young Mr. Lincoln")
Origem: EUA
Linguagem: Inglês
Ano: 1939
Duração: 100 minutos
Argumento: Lamar Trotti
Realização: John Ford
Intérpretes: Henry Fonda, Alice Brady e Marjorie Weaver

SINOPSE
Um retrato ficcionado da juventude do 16º presidente dos EUA, desde os tempos de simples trabalhador no ambiente rural do Illinois até à vida de advogado principiante na cidade de Springfield, seguindo o seu primeiro caso jurídico.

FILME  (Youtube)



CRÍTICA
Uma meditação poética sobre a juventude de Abraham  Lincoln. Sem pretensão de historicidade, este filme faz o retrato psicológico plausível do jovem Lincoln, com a sua simplicidade e honestidade e o dom da palavra que usa com desarmante ironia.O título em Português - "A grande esperança" - deixa antever para além do fim do filme,  o futuro de um grande político que iria mudar decisivamente a história da América e do mundo. Esta história do jovem Lincoln, confunde-se também com a história da América, jovem nação em crescimento, com o seu enorme potencial em materialização progressiva , a par  da descoberta das suas contradições, que a fragilizam por dentro.
Um filme, com o registo  simples de John Ford, considerado património nacional, pelo governo dos EUA, mas antes de mais um património do  próprio cinema. Uma obra tocante de simplicidade, uma homenagem do cinema a si próprio, que é curioso contrapôr ao Lincoln "adulto" de Spielberg, ao fim e ao cabo duas obras primas do grande cinema americano. 

Nota:****

sábado, 9 de março de 2013

☑ O TEMPO QUE RESTA, de François Ozon


FICHA
Título: O tempo que resta (Original em francês: "Le temps qui reste")
Origem: França
Linguagem: Francês
Ano: 2005
Duração: 81 minutos
Argumento: François Ozon
Realização: François Ozon
Intérpretes: Melvil Poupaud, Jeanne Moureau, Valeria Bruni Tedeschi, Daniel Duval, Marie Rivière e Christian Sengewald

SINOPSE
Roman é um bem sucedido fotógrafo, que descobre que tem um cancro terminal. Sabendo das reduzidas possibilidades de cura, recusa qualquer tratamento e enfrentando o sofrimento e a solidão, decide morrer em paz consigo e com os outros. Até que ponto conseguirá ? 
 
TRAILER
 

CRÍTICA
François Ozon, volta aos temas recorrentes do amor, da vida e da morte, sem tabus, sem concessões.
A certeza de uma morte próxima, empurra Roman (Melvil Poupaud)  para a essência da vida que lhe falta viver. 
O tempo que resta, é antes de mais, um quotidiano de sofrimento. Mas é também, uma oportunidade  para fazer a paz interna e externa. Um período para reconciliações e despedidas. Um tempo para transmitir espírito e vida e um legado para o futuro. Uma pausa para captar no momento preciso de uma foto, o sentido da vida. 
Tudo isto, nos é revelado de forma sublime, pelo olhar sensível de Ozon, um analista por excelência do comportamento humano.
Este é um cinema provocador, no sentido em que desafia preconceitos e desmonta artificialismos, sobre o fim da vida.
Um cinema que não foge aos temas politicamente incorretos, sendo subtil e bonita a forma como são abordados. Este é um fime em que a personagem principal é gay, em que há cenas quotidianas que não podem deixar de retratar essa realidade, mas não é um filme sobre homossexualidade e essa é uma das suas grandes virtudes, a completa irrelevância da orientação sexual, embora haja cenas de forte conteúdo sexual.
Este filme é uma meditação sobre os limites e fragilidades da existência humana e a  solidão extrema do fim da vida.Neste contexto, a cena final é deveras emblemática do que significa morrer na sociedade moderna.
 
Nota: ****

quarta-feira, 6 de março de 2013

☑ O REFÚGIO, de François Ozon


FICHA
Título: O refúgio (Original em francês: "Le refuge")
Origem: França
Linguagem: Francês
Ano: 2009
Duração: 88 minutos
Argumento: Mathieu Hippeau e François Ozon
Realização: François Ozon
Intérpretes: Isabelle Carré, Louis-Ronan Choisy e Melvil Poupaud

SINOPSE
Mousse e Louis, são jovens, bonitos e apaixonados, mas refugiam-se nas drogas. Um dia Louis morre de overdose e Mousse sobrevive, mas no Hospital, fica a saber que está grávida. Contra a opinião da mãe de Louis, Mousse decide levar a gravidez até ao fim e refugia-se numa zona costeira, longe de Paris. Alguns meses mais tarde, Paul, o irmão de Louis, junta-se-lhe no seu refúgio...

TRAILER



CRÍTICA
Como o título indicia, este é um filme sobre refúgios, revelados pela câmara curiosa de Ozon.
Um refúgio  é uma barreira física e muitas vezes psicológica, é algo que impõe rupturas e sinaliza distâncias.
No início do filme, nós deparamos, com Mousse (Isabelle Carré) e o seu apaixonado Louis (Melvil Poupaud), seminús, no quarto de um  apartamento parisiense chic,  no que poderia ser um interlúdio de uma noite de amor. Mas este  refúgio físico é também a superfície de um outro refúgio mais imperativo, consubstanciado na dependência de drogas injectáveis.
Mais tarde vamos encontrar Mousse no seu novo refúgio, numa distante e pacata região costeira do Sul de França, após os trágicos acontecimentos que vitimaram Louis e da  descoberta da sua gravidez.
E a páginas tantas, deparamos também com Paul, o irmão gay de Louis, que também procura o seu refúgio, no refúgio de Mousse...
É uma Isabelle Carré grávida de verdade, que Ozon aproveitou no filme. Na verdade este filme poderá ser também sobre a gravidez, encarada como um vínculo entre pessoas  em transformação. Entre Mousse e o novo ser (uma menina...). E entre mãe, filha e os dois irmãos, Paul e Louis. A barriga verdadeiramente grávida de Carré, exposta de forma generosa, transporta no presente, o vinculo entre o passado e o futuro. 
E assim o fim, à primeira vista cruel, adquire pleno sentido.
Como é que Ozon, nos conta esta história ?
Como se fosse um fresco de emoções reveladas, entre os constrangimentos físicos, impostos pela narrativa.
Com a contenção e a subtileza que a intimidade exige. Mas também com a determinação de quem quer abrir portas.  
Um domínio absoluto da arte cinematográfica, por parte de um cineasta maduro.
 
Nota: ***
 
 

segunda-feira, 4 de março de 2013

A ANÁLISE DE UM FILME E O PAPEL DA CRÍTICA


Em linguagem simples, o filme é uma  história contada por meios audiovisuais.
Analisar um filme compreende duas etapas básicas: em primeiro lugar decompor o filme nos seus constituintes elementares e em seguida compreender as relações entre esses elementos decompostos, ou seja interpretar.
Há alguma confusão entre crítica e análise de filmes. A crítica é uma actividade valorativa, ou seja, tem por finalidade atribuir o valor a um filme em relação a um determinado fim, como seja o contributo para a discussão de um determinado tema, a importância da sua cinematografia, ou a relevância dos conceitos factuais, históricos, estéticos e éticos que veicula. Já a  análise, é sobretudo objectiva e não faz qualquer juízo de valor em relação ao filme.
No entanto,  o discurso  crítico poderá beneficiar de um certo trabalho de análise, préviamente a uma atribuição de um juízo de valor.
Mas no sentido, em que a crítica tem uma função social, destinando-se a orientar e informar um público "consumidor", bastante heterogéneo, o seu discurso tende a ser menos rigoroso e mais adjectivado.
"Este é um daqueles filmes, que não encaixa numa única gaveta..."
 "O filme evita o sentimentalismo lamecha e utiliza a montagem intercalada entre as histórias das suas personagens."
" O mundo da música soul, serve mesmo só de pretexto para alguns "cameos" confrangedores e um par de actuações musicais a que os actores se entregam com gosto, mas que são filmadas sem arte nem entusiasmo."
Num filme como em qualquer outra forma de expressão artística, há um fluxo de informação desde os seus autores até ao público, provocando neste uma reação/interação, a um nível cognitivo e emocional.
Existem muitos métodos de analisar um filme: análise textual, de conteúdo, poética e audiovisual. Estes métodos são ensinados em cursos de cinema ou comunicação social e a sua discussão exaustiva, não se justifica neste espaço.
Qualquer pessoa, tem, consciente ou inconscientemente o seu método de interagir com o filme, desde o nivel mais básico ao mais elaborado. Ela faz a sua análise e também  a crítica, no sentido em que atribui um valor ao filme.
A história ou histórias veiculadas por som e imagens, evocam pensamentos, convocam conceitos e exprimem sentimentos, numa interação que envolve a inteligência e as emoções. Qualquer pessoa é portanto capaz de dizer antes de mais se gostou ou não gostou daquele filme. Já dizer porquê, implica análise e diga-se em abono da verdade que a maioria das pessoas não vai em grandes devaneios analíticos e fica-se pela não verbalização daquelas impressões.
O mais intuitivo é uma análise da história que o cineasta nos quer contar e sobretudo da forma como o faz, ou seja como utiliza todos os meios que tem ao seu dispor para nos contar essa história.
Vamos então começar no  conteúdo, procurando compreender a estrutura da narrativa, não esquecendo  o título que geralmente fornece pistas, passando depois ao enredo, conhecimento dos personagens incluindo o seu universo mental e emocional, as interações entre si e o enquadramento espacio-temporal da narrativa. 
Quanto ao "estilo" do cineasta e os meios técnicos que  ele utiliza para dar consistência, coerência e estética ao filme, convém se formos capazes, associá-los aos conteúdos e não vê-los isoladamente porque eles, em princípio, não estão ali, por acaso. Por exemplo a alternância de  abundante luz exterior  e penumbras interiores, associadas a uma determinada personagem, poderá num determinado contexto,  indiciar um estado emocional muito volátil dessa personagem. O uso de determinados planos, poderá ser adequado em certos contextos da narrativa e a introdução de elementos sonoros e/ou músicais, poderá ter cabimento em certas fases do filme. E assim por diante...
Depois desse trabalho, de que em grande parte não nos apercebemos a um nível consciente, já somos capazes de falar de um filme, não meramente contando a história ou extraindo putativas mensagens ou lições de moral, mas sobretudo falar da forma como nos marcou ou enriqueceu...