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domingo, 27 de outubro de 2013

☑ Revisitando a PORNOPOPÉIA de Reinaldo Moraes

Zeca e o cinema
FICHA
Título: Pornopopéia
Autor: Reinaldo Moraes
Editora: Quetzal Editores
Data de lançamento: Junho de 2001
Nº de páginas: 264

FNAC
SINOPSE
"O protagonista de Pornopopéia, é um produto do nosso tempo - um individualista atroz na busca incessante do prazer imediato.
Antigo cineasta marginal (com uma única longa-metragem no currículo), Zeca, que não tem dinheiro e vive na base do improviso, precisa de fazer um spot publicitário sobre miúdos de frango. E não sabe por onde há-de começar. Por isso dá largas à sua voracidade (mais uma linha, mais um uísque, mais um engate) e entra numa espiral de sexo, álcool e drogas de proporções épicas." (FNAC)


Um livro muito especial, já revisto neste blog, pelo nosso oráculo de serviço (link) que lhe augurou um lugar de relevo no nosso córtex temporal e límbico e na história da literatura.
Não vamos aqui fazer qualquer recensão, para além do "muito especial", que lhe dedicamos.
Quem desejar análises literárias e até filosóficas, terá matéria de sobra com que se entreter.
Eu recomendo, na ocidental praia lusitana, a magnífica entrevista de Alexandra Lucas Coelho a Reinaldo Moraes ("Reinaldo Moraes: tesão ou morte"), no seu blog do "Público"  (link) e a recensão de João Bonifácio ( "Sobredose de Testosterona"), no mesmo jornal.(link)
No lado de lá do Atlântico, eu sugiro em primeiro lugar a crítica de Nelson Motta, no Globo blog ("O fino da grossura") (link) e depois a recensão da Folha de S. Paulo, por Alcir Pécora ("Moraes "viaja" em romance sexo, drogas e literatura") (link) e a do Canto Dos Livros, por Rodrigo Casarin ("Pornopopéia - sexo, drogas e um personagem épico") (link).
Interessante, é também avaliar outras vertentes não estritamente literárias que o livro de Moraes suscita. A este respeito, acho que merece uma leitura, a análise da moral de Zeca, na pena de Leo Furtado no Ditirambo ("Pornopopéia e a Moral da Vontade") (link).
No meu caso, interessa-me aqui divagar sobre um tema que eu e o Zeca apreciamos sobremaneira: o cinema.
Vamos então discorrer sobre o cinema em Pornopopéia, mais exatamente "Zeca e o Cinema".

Para começar, Zeca é um cineasta com um currículo reconhecido, do qual faz parte um prémio no Festival de cinema de Cartagena, pelo seu filme "Holisticofrenia". Este filme valeu-lhe um prémio e o rótulo de cineasta "maldito" ou "marginal", que vai carregar como uma cruz para o resto da vida.

"Fazemos até filmes malditos, e aí está o meu Holisticofrenia, um clássico na cinematografia marginal, pra atestar isso."

"E quando saíram, caso único do Holisticofrenia, foi só pra me valer o carimbo de “cineasta maldito”, tão vantajoso no mercado de audiovisual quanto um furo na testa. Nem mesmo o prêmio no festival de Cartagena ajudou a levanter minha bola. Sou, sempre fui totalmente por fora das panelinhas de cinema. Cheguei a viajar um pouco pelo Brasil a convite de cineclubes e grêmios universitários pra exibir o Holi, comi umas doidinhas em hotéis 3 estrelas de lugares como Passo Fundo, Bauru e João Pessoa, conheci uma pá de psicopatas com abiloladas tendências artísticas, e mais nada."

Esse epíteto  pode até impressionar, mas não gera a necessária grana e por isso para sobreviver, Zeca teve que fazer cinema porno e por fim, spots publicitários.

"O pessoal de cinema tem que rebolar pra viver".

"Vai, senta o rabo sujo nessa porra de cadeira giratória emperrada e trabalha, trabalha, fiadaputa. Taí o computinha zumbindo na sua frente. Vai, mano, põe na tua cabeça ferrada duma vez por todas: roteiro de vídeo institucional. Não é cinema, não é epopeia, não é arte. É — repita comigo — vídeo institucional. Pra ganhar o pão, babaca. E o pó. E a breja. E a brenfa. É cine-sabujice empresarial mesmo, e tá acabado. Cê tá careca de fazer essas merdas. Então, faz, e não enche o saco. Porra, tu roda até pornô de quinta pro Silas, aquele escroto do caralho, vai ter agora “bloqueio criativo” por causa dum institucionalzinho de merda? Faça-me o favor."

"Você devia ter chamado um bosta dum roteirista qualquer pra te ajudar, desses que filam cigarro e cerveja de mesa em mesa na Merça e não perdem chance de puxar uma lousa e dar aula sobre Hal Hartley e a narrativa cinematográfica interior aos substratos descontínuos da consciência dos personagens pra alguma gostosinha basbaque de peitinhos soltos dentro de uma camiseta de pano fino."

"(Porra, tu é uma anta mesmo. Em vez de cavar um lugarzinho numa agência quando teve a chance, foi se meter com cinema, e marginal inda por cima. Acabou no pornô e nessa bosta mole de vídeo institucional, o gonococus aureus da porra do cavalo land rover do publicitário. Agora foda-se, mermão. Embutidos de frango. Se concentra aí e manda vê, falô?)"

Não é de estranhar que a Zeca tudo,  lhe sugira um pretexto para falar de cinema, para invocar filmes e realizadores. O cinema é omnipresente na vida de Zeca e só a ele se permite transformar o bando dos três, num quarteto para si perfeito: Sexo, drogas, Rock & Roll e Cinema.

"Que fome de cinema, cacete. Que fome de mulher também, agora e sempre."

"Nada de culpas corrosivas nem de castigos iminentes em cinemascope."

"Depois, fez um resumo fulminante de algumas proezas quimio-anárquicas do cara, como a noite de 1966 em que os Doors foram expulsos do Whisky a Go Go, em Los Angeles, porque o Morrison, doidão, se pôs a berrar no palco “Mother, I wanna fuck you!”, na letra do The End, “que, aliás, toca no filme Apocalypse Now, do Coppola, que, aliás, foi colega do Jim Morrison no curso de cinema da UCLA”, pontificava aliasmente o Ingo."

"Agora, ficar puxando saudade de mulher, amigos, lugares, não é comigo. Não guardo fotos de nada nem de ninguém. Por isso que o meu cinema só fala de coisas que não existem e, portanto, não deixarão saudades. Pega o Holisticofrenia, por exemplo. Só tem cenas e personagens sem referência a nenhuma realidade diferente da que somente elas e eles instauram na tela."

"Todas lhe oferecem fatias e nacos dos embutidos, que ele vai devorando nas mãos de cada uma delas com grande gula e prazer, compondo uma brilhante metáfora erótico-antropofágica até o freeze final da imagem."

"O magro cabeludo tinha na cara uns óculos escuros de playboy anos 50 que lhe davam uma tremenda pinta de gangster de cinema independente do leste europeu, ou merda assim."  

"Silencioso e furtivo como Arséne Lupin (o do cinema, interpretado na tela por Lionel Barrymore), de modo a não acordar minha hospedeira, catei a calça jeans e a camisa de listras azuis, dobradas, lavadas, passadas e acondicionadas numa sacola de loja."

"No final, plena manhã, a puta lambia a beirada suja de pó do meu cartão de crédito, enquanto me ouvia explicar todo o potencial anarconiilista da poética patética da minha cinematografia apatifada pós-sganzerliana com sua narrativa brechtianoholisticofrênica e seus personagens transapocalípticos, e o grandíssimo caralho cocainado a quatro."


"Porra, já pensou, véio? Eu ia virar o novo bandido da luz vermelha do cinema brésilien, herói dos cineclubes, campeão de acessos no Youtube, e o cacete."


Uma vez que Zeca é o narrador, ele vê o mundo como um cineasta cínico com uma câmara na mão, enquanto mantém a outra, livre para cafungar, bronhar ou estimular a líbido de alguma parceira. Zeca como narrador, tem que usar as palavras e embora ele tenha lido muito boa literatura, está constantemente a incorrer no vício de ver e descrever a sua realidade com os olhos de um cinéfilo.

"Uma das vantagens do cinema sobre a literatura é essa, a de desobrigar o autor de nomear as flores nos cenários. Por mim podiam ser armênias silvestres, jambronas do campo, rabos-de-babuíno-da-Tanzânia, lambrequinhas-da-serra e o cuflorido-a-quarto."

"(Na literatura)…Qualquer extensão de tempo, aliás, cabe num punhado de palavras. No cinema é mais complicado. Você seria obrigado a criar alguma metáfora visual forte pra denotar o significado de uma palavra densa como eternidade. Um anjo de cemitério contra um céu estrelado, por exemplo. Se funcionar, a imagem ganha da palavra."

"Eu me sentia naquela câmara secreta do solar dos Usher — na versão pro cinema mudo, de 1928, do Jean Epstein, assessorado pelo Buñuel —, prestes a transpor os portais de inconcebíveis dimensões transumanas. Os contornos dos corpos apenas se divisavam na obscuridade. Difícil dizer quem ali tinha se entregado de alma e pálpebras à iluminadora cegueira, e quem, como eu, filava solerte os arredores através da gelosia dos cílios, flagrando os formatos, volumes e as cores do famigerado mundo visível, tão enganador quão desprezível, segundo a Wyrna, mas ao qual eu tinha me afeiçoado tanto ao longo desta encarnação, a única que me lembro de ter vivido até agora. A mestra, como meu olhar sorrateiro registrava, mantinha bem abertos aqueles olhos negros dela, bundinha sempre assentada sobre o divino calcanhar."

"A falta que faz uma câmera pra mostrar essas manobras. Um story board já quebrava um galho. Descrever com palavras é foda, mesmo que sejam só rubricas num roteiro, nada que aspire à imortalidade literária."

"Sigo o conselho do Amo: não quero virar escritor. Mais do que talento, me faltam saco e coluna vertebral pro ofício. Meu negócio é cinema, a exemplo do Robert Bresson, que, por sinal, filmou em 1945 um trecho do Jacques no “Les Dames du Bois de Bologne”, filme delicioso. Cinema e buceta. Mais buceta que cinema. Fomos feitos um pro outro, eu e o cinema, digo, eu e as bucetas, digo, o cinema e as bucetas, redigo. E lá vai mais um poemelho pra sua coleção:
movies
1.
O olho mora
dentro
do momento
2.
O verbo é lento
perde o tempo
do movimento"

"Aliás, você já reparou — e se não tinha reparado, repare agora — que esse meu sestro haicaico vem do fato de que o haicai é um fotograma de filme, um instantâneo visual, o mais perto que a linguagem verbal consegue se aproximar do cinema. 
Portanto, tente conservar meus haicaizinhos no seu texto final, pelamordedeus."

"Dei uma zapeada. Filmes, propaganda, programas de auditório, de culinária, reprise de novela. Na TVE um crítico literário míope feito uma toupeira explicava pro entrevistador que “a literatura é uma velha arte que tá de saída”. Escritores e leitores vão virar um clubinho dos 500, sendo que, no final, tudo se resumirá a uns tantos escritores e poetas batalhando para serem lidos por outros escritores e poetas. O mesmo vai acabar acontecendo com o cinema não hollywoodiano, dizia o crítico. Que se fodam, escritores, poetas, críticos e cineastas não hollywoodianos, decretei eu, dando um zap no controle."  

E o que acha Zeca das adaptações de obras literárias ao cinema ?


"Não faz sentido escrever um filme. O cinema tem que nascer das imagens. Por isso torço o nariz pra adaptações de livros, se o adaptador não se chamar Hitchcock. Aliás, o Hitch só se valia de noveletas populares de segunda ou mesmo de quinta categoria, de onde tirava somente o plot básico e os personagens principais. No “Psicose”, por exemplo, ele mandou o studio comprar todas as cópias do livro do tal de Robert Bloch, autor da história, para que ninguém soubesse o final. Acho meio ridículo isso. Se o cara não tem a manha de criar uma história original evocada por imagens, vai caçá sapo, malandro. Cinema é “Zéro de Conduite”, “Cidadão Kane”, “Acossado”, “Todas as Mulheres do Mundo”, “Terra em Transe” — histórias que só existem dentro dos filmes que o Vigo, o Welles, o Godard, o Domingos de Oliveira e o Glauber rodaram com roteiros originais saídos da cabeça e dos olhos deles. Quer saber o que eu acho? Adaptação — leia-se avacalhação — de obras literárias é pirataria oportunista de subcineasta com palavrório na cabeça e uma câmera na mão. E fodam-se as centenas de filmes brilhantes extraídas de textos literários que alguém poderia me jogar na cara — Hitchcock incluso. Aquela manipulação nos peitos da Sossô, por exemplo, mão branca minha, mão preta do Melquíades, aquilo é que é cinema. E ponto final."

E atenção que já se fala de uma adaptação de "Pornopopéia" ao cinema ! Vai ser foda ! Essa tarefa, prevista para a segunda metade de 2013, tomou-a a cargo Arthur Fontes, um nome já com algum currículo no cinema brasileiro, sobretudo na área das curtas e do documentário, sendo autor, por exemplo, de  "Trancado (por dentro)", de 1988, primeiro filme brasileiro a ser selecionado para o Sundance, "Primeiro pecado", de 1998 (um dos três episódios do longa "Paixão", eleito o melhor filme do Festival de Huelva desse ano) e do documentário "Família Brás -Dois tempos" de 2000 e 2011, que realizou com a jornalista Dorrit Harazim, ao jeito do britânico "Up" sobre "a família brasileira média".
Como é que Fontes vai contornar ou sublimar a questão essencial, aqui colocada por Zeca ? Como é que Fontes vai fazer jorrar cinema da seguinte fonte narrativa ?

"Nem os maiores ejaculadores de cinema pornô que eu já vi em ação exibiram jamais tamanha exuberância espermática. Aquele filhadaputa devia ter uma terceira gônada escondida em algum lugar de sua vasta anatomia. Sossô, por sua vez, não largava o ejaculante troféu. Ela devia achar que o brinquedinho lhe pertencia agora por jus boqueteandi."

E muitas outras se poderiam citar...
Só nos resta esperar até ver o filme nas telas.

"Isso tudo vai ficar do grande caralho no meu filme. Porra, se não vai. As plateias dos cinemas de shopping sairão encantadas da sala, e não terão outro assunto durante o chope, a pizza ou o sushi pós-cinematográfico."

Até lá disfrutemos da boa literatura  que é Pornopopéia e da dávida do cinema que  vive dentro de si.





1 comentário:

  1. Bom dia, amigo. Como vai?

    Muito obrigado pela indicação e espero que continue prestigiando o Canto dos Livros.

    Grande abraço.

    Rodrigo Casarin - www.cantodoslivros.wordpress.com

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