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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

☑ HANNAH ARENDT, de Margarethe von Trotta

Destas ideias se faz o cinema

"Hannah Arendt" (Alemanha, Luxemburgo & França - 2012).
Linguagem: Alemão, Inglês, Francês, Hebraico e Latim.
De. Margarethe von Trotta ( realização e argumento (com Pam Katz)).
Com: Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer, Julia Jentsch, Klaus Pohl, Ulrich Noethen, Michael Degen & Nicholas Woodeson.
Cinematografia: Caroline Champetier.
Direção Musical: André Mergenthaler.
Drama. Biografia. Documentário. 113 minutos. Cor.
Sinopse
O filme reporta-se ao período de  1961-1965, mas evoca também trechos do passado de Hannah Arendt, a reputada filósofa alemã, de origem judaica, exilada nos EUA e outrora presa num campo de concentração pelos nazis, quando esta se oferece à revista "The New Yorker" para fazer a cobertura "jornalística" do julgamento de Adolf Eichmann,  capturado pela "Mossad" na Argentina. Hannah Arendt escreveu uma série de cinco artigos para a revista, os quais resultaram, mais tarde, no livro "Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal". 
                                                           

Filmes sobre figuras importantes da História, no caso vertente ainda mais, ao abordar temas  com forte conteúdo emocional, cruzando o nazismo, o antissemitismo, o holocausto e a Filosofia, são muitas vezes um problema para o filme e para quem o analisa.  Porque, ou se dá relevo à figura histórica e o filme aproxima-se do documental (sabendo-se ainda que os factos não são 100% conhecidos ou aceites), e como tal perdendo força  a magia e a inventividade da matéria ficcionada ou se concede demasiado enfase a esta última e o filme arrisca-se a ser factualmente impreciso. O  justo equilíbrio, que satisfaça quem gosta de cinema e não desagrade a quem se interessa sobretudo pela figura histórica é o que procura neste filme, Margarethe von Trotta, e a julgar pelas críticas  e comentários do Ípsilon online ( ler aqui), a matéria está longe de ser pacífica. Que Johanna Arendt (1906-1975) foi uma pensadora de grande importância no mundo contemporâneo, é um facto indiscutível, como comprova a sua monumental obra e a grande repercussão que tem tido em diversas Ciências Sociais. Que se tratou de uma rica e complexa figura humana, apaixonada, lutadora e corajosa é também atestado pelos inúmeros relatos dos seus amigos e concidadãos. Agora a um  filme, embora use e agradeça tão rica matéria prima, exige-se que vá além do simples retrato, terá que ser revelador de outras dimensões, que transcendam a realidade que pretende retratar. E esta é a vertente que importa relevar na análise dos putativos méritos e deméritos do filme.
Para começar, Margarethe von Trotta seria à priori  a pessoa ideal para fazer a abordagem que se impunha de Hannah Arendt, ou não compartilhasse com esta, raízes geográficas e culturais comuns. E acrescentando o nome da grande atriz alemã Barbara Sukowa, dir-se-ia estarmos perante a combinação virtuosa, que impeliria o filme para os patamares exigidos. E em boa parte, os objetivos são atingidos, sendo comovente a Hannah Arendt, composta por uma magnífica Barbara  Sukowa.  A defesa das suas ideias, num meio nem sempre propício e até frequentemente hostil,  convidava ao politicamente correto, mas Hannah era igual a si mesma, uma livre pensadora, com uma surpreendente dimensão humana. A sua defesa de que Eichmann era antes de mais um homem medíocre, que tinha abdicado de pensar e de uma vontade própria em nome de uma autoridade que o transcendia e que não ousava discutir, apenas cumprindo ordens, é notável como análise acurada desse facto histórico em si mesmo, mas vai mais além e estabelece pontes com outros comportamentos  do mundo contemporâneo, tão propenso à relativização, à desculpabilização e ao justicialismo puro e simples. E é assim que ela subtilmente  estende essa banalização do mal aos próprios comportamentos dominantes ao redor do holocausto, por parte das elites nazis e judaicas e também ao próprio julgamento de Eichmann.
Se esta é a ideia central do filme, diga-se que ela passou muito à custa de um certo empobrecimento de certos aspetos da narrativa. Dir-se-á que aqui havia muito pano (assuntos) para curta roupa (filme) . Havia a relação de Hannah com Heidegger na juventude, que foi subalternizada a uns mornos flash-backs de circunstância,  perdendo-se muito da tensão existencial e porque não dizer, erogénea do filme. Agravando a situação, as memórias do campo de concentração colam mal com a vivência quotidiana da protagonista, passando desajeitadamente como exemplo de vida à medida de uma heroína, coisa que não casa nada com Hannah . A referência ao colaboracionismo dos chefes judaicos, foi por diversas vezes abordada, mas não explorada, ficando assim como uma espécie de calúnia imputada a Hannah, o que é antes de mais cruel e injusta.
Como filme de época, o meio americano e sobretudo Nova-Iorquino dos anos 60 é razoavelmente pintado. A cinematografia de Caroline Champetier cumpre minimamente,  mas quanto a mim, estabelecendo um paralelo com o filme "No", de Pablo Larraín, a utilização de imagens de arquivo e a sua transição para as imagens "actuais", revela-se demasiado artificial, transportando  muito pouco da tensão do julgamento histórico, para as imagens do próprio filme.
Em suma, um filme importante, com rosto humano, sobre a força do livre pensamento.  Trotta e Sukowa, cada uma a seu jeito, conseguem fazer sua e nossa  esta causa, não obstante alguns "handicaps",  que não estragam demasiado a experência fílmica.



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