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sábado, 19 de outubro de 2013

☑ CREPÚSCULO DOS DEUSES, de Billy Wilder

It's a wild world, isn't it ?  It's wilder than life !

"Sunset Blvd." - título original em inglês.
"Sunset Boulevard" - Título alternativo em inglês.
"Crepúsculo dos Deuses" - Portugal & Brasil.
EUA (1950).
De: Billy Wilder (Realização e argumento (com Charles Brackett e D. M. Marshman Jr.)).
Com: William Holden, Gloria Swanson, Erich von Stroheim, Nancy Olson, Cecil B. DeMille, Hedda Hopper, Buster Keaton, Anna Q. Nilsson & H. B. Warner.
Fotografia: John F. Seitz.
Música: Franz Waxman.
Drama. Film-noir. 110 minutos. Preto e branco.
Sinopse
Joe Gillis, um argumentista de Hollywood, arruinado e sem trabalho, vê-se na contingência de fugir do fisco,  que lhe quer penhorar o seu carro e  acaba, por acaso, por encontrar refúgio na mansão de Norma Desmond, uma antiga estrela do cinema mudo, desde há muito votada ao ostracismo pela indústria cinematográfica. Ela vive isolada do mundo, na sua mansão de Sunset Blvd, apenas com o seu mordomo,  não aceitando  o seu declínio e  e delirando  por um regresso em glória aos filmes. A atriz, vê no escritor a oportunidade de reentrar no meio e convida-o para trabalhar no guião do filme que imaginava materializar esse desejo. Renitente a princípio, Joe acaba por aceder e torna-se uma espécie de gigolo da antiga diva, acabando a relação por agravar até ao limite a crescente loucura de Norma.
                                

"- You're Norma Desmond. You used to be in silent pictures. You used to be big.
- I am big. It´s the pictures that got small."

"- We didn´t need dialogue. We had faces !"

"- The stars are ageless, aren't they ?"

Bem-vindo aos anos de ouro de Hollywood ! 
Duas décadas antes, por alturas da transição do cinema mudo para o falado, Hitler tinha contribuído involuntariamente para enriquecer o cinema de Hollywood com uma fornada impressionante de artistas da sétima arte, escorraçados do velho continente, que traziam consigo um acervo de sabedoria e sofisticação técnica que a indústria abraçou agradecida. Entre eles destacava-se Billy Wilder (1906-2002), na altura apenas um argumentista,  que se destacava pelo carácter cínico, mordaz e misantropo dos seus trabalhos, facto que não era alheio às agruras da sua juventude, ele que perdera os seus pais, em Auschwitz. Os guiões  de Wilder eram famosos  pela caterva de pormenores, que ultrapassavam em muito o desenho dos diálogos e da "mise-en-scène", incluindo  imagine-se, as posições da câmara e o tipo de planos indicados ! E facto importante, roteiro de Wilder não admitia revisões ou improvisações, as falas eram para seguir, letra por letra, virgula por vírgula, do que estava escrito !
Estava-se mesmo a ver que Wilder não se aguentaria muito tempo apenas como argumentista e à primeira ocasião lá estava ele a convencer a Paramount, de que só ele poderia transformar os seus textos em verdadeiro cinema !
E assim com uma carreira que cresceu verdadeiramente a partir das bases, Billy Wilder venceu e convenceu em Hollywood, ganhando o respeito e admiração do meio e do  público, de certa forma, o "sistema"  ia aceitando  os traços "subversivos" do seu cinema, desculpabilizados pelo seu primor técnico e por uma história pessoal de vida, que era uma lição para a América . E assim chegamos a este filme de 1950, o nono de uma carreira  já com alguns sucessos, destacando-se  os filmes,  "Pagos a dobrar" (Double indemnity), de 1944 e "O farrapo humano" (The lost weekend), de 1945.
E esta introdução que se faz ao filme "Sunset Boulevard", ganha sentido quando se compreende, que só Wilder poderia fazer um filme que ousava discutir as próprias idiossincrasias de Hollywood, pondo a nú o modo como nela se constrói e destrói uma carreira, como se reciclam e desempoeiram guiões, como se guindam  aos pedestais da fama e como se descartam as estrelas  em declínio. Tudo coisas que Hollywood preferiria não ter que revelar em público numa salinha escura, com as ferramentas e o pessoal da casa...
Talvez por isso, este filme tenha perdido grande parte das suas nomeações no  23rd Academy  Awards de 1951 (referente a filmes de 1950),  nomeadamente para "Eva" (All about Eva) de Joseph  L. Mankiewicz, incluindo os de melhor filme e melhor realização e Gloria Swanson tenha visto a estatueta de melhor performance principal feminina, ir parar às mãos de Judy Holliday, em " Nascida ontem".
Também seria condescendência demais por parte de Hollywood, galardoar essa auto-crítica corrosiva ao  modelo do seu próprio "show business", que  "Sunset Boulevard", simbolizava na perfeição !
Este filme encarna na plenitude o que é um clássico, na medida em que transporta continuamente para o presente e futuro as luzes e as sombras do passado de Hollywood, essa enorme máquina registadora e espelho quantas vezes  deformador das grandezas e misérias humanas. 
O tema da fama e do seu carácter efémero é bem simbolizado na figura de Norma Desmond, uma antiga rainha do cinema mudo, votada ao ostracismo e que supostamente, com o avançar inexorável da idade,  não se adaptou aos paradigmas emergentes, dominados pelos novos donos da  nova tecnologia "sonora". E esse papel de diva em declínio e em negação demencial estava mesmo "feito" à medida de uma Gloria Swanson, também ela uma importante atriz do cinema mudo, posta na prateleira, durante muitos anos, até que chegou a este filme como 3ª ou 4ª escolha. E as coincidências felizes não ficam por aqui, porquanto  o seu mordomo,  que na prática mantem de pé a logística infernal da loucura de Norma, é representado de forma assaz realista por Erich von Stroheim, grande ator e realizador do cinema mudo, discípulo de D.W. Griffith e autor dessa obra prima absoluta chamada "Cobiça" (Greed), de 1924 e que curiosamente dirigira Gloria Swanson em "The Queen Kelly", de 1929, filme cujas imagens passam a certa altura em "Sunset blvd.", para mostrar ao recém chegado argumentista de Hollywood, o passado glorioso de Norma. Mais tarde, aquando da visualização  de mais um curioso evento do cinema-dentro-do-cinema, com a espantosa sequência da visita de Norma aos estúdios da Paramount para visitar Cecil B. DeMille, o mordomo acha curial revelar um pouco mais do seu e do passado de Norma, devendando tratar-se de facto de Max von Mayerling, o realizador do cinema mudo, que descobrira Norma aos 16 anos e seu primeiro marido ! Para além do comentário implícito sobre a ascenção e queda de mais um simbolo de Hollywood, expresso na eloquente frase "Nesse tempo, havia três grandes diretores: D.W. Griffith, Cecil B. DeMille e Max von Mayerling", este facto revela-nos até que ponto pode ir a lealdade de uma pessoa face a alguém que idolatra em absoluto e que atinge a máxima expressão no eloquente final.
Há quem fale no tema do oportunismo, para descrever o papel de Joe Gillis, o argumentista "looser", brilhantemente representado por William Holden, mas  esta asserção é injusta e falha o alvo. Joe aceita a contragosto  o papel de gigolo e manifesta-o frequentemente, não sendo portanto o típico oportunista. É mais lógico que tal personagem encarne   um exemplo de alguém a bater à porta, lutando por entrar na máquina de sonhos, mas cuja  mediocridade ou no mínimo inadaptação aos tempos que correm em Hollywood, fazem dele apenas o papalvo apanhado no sítio e à hora erradas.
O filme é todo ele feito de imagens,  planos, sequências e cenas  inesquecíveis, desde a alucinante abertura até ao espantoso clímax final. Que dizer também da presença de Norma no "Stage" 18 onde DeMille rodava "Sansão e Dalila"? E da cena das "figuras de cera" , na expressão de Joe Gillis para descrever os parceiros de Norma no jogo de Bridge, todos eles figuras de proa do cinema mudo como Buster Keaton e remetidos à mudez e insignificância ? Numa obra-prima absoluta como esta, talvez não seja excessivo dizer que cada fotograma do filme tem muito que dizer.
O score musical de Franz Waxman é todo ele uma peça na engrenagem que não se dissocia da narrativa, está ali porque é preciso, estávamos ainda no tempo em que  aquela música clássica de fundo era um imperativo e não o enjoo em que se transformaria mais tarde.
Um verdadeiro "must", ainda pelos extras que mostram as cenas cortadas como o início alternativo, com Joe e os outros mortos da morgue a falarem das suas mortes e que foi retirado por causar gargalhadas no "preview. O "making -of" mostra-nos ainda a mestria e o engenho  de Wilder, por exemplo  na conceção da cena inicial com o corpo na piscina.
Dos melhores filmes de sempre para vários Institutos e associações de críticos, mas de forma mais incisiva um filme muito importante  para mim, que apenas agora o descobri. Se calhar, no momento certo, na curiosa interseção de ocasos  da vida, mas que pela minha parte se pretende bem diferente do representado no filme.

"You see, this is my life! It always will be! Nothing else! Just us, the cameras, and those wonderful people out there in the dark!...
All right, Mr. DeMille, I'm ready for my close-up." 


1 comentário:

  1. Sim tambem o vi somente ha dias.Ja ouvira falar muito sobre.Não fiquei nada desiludido.Obrigatorio ver.Sei que é uma frase batida.Vejam e julguem.Ha cenas neste filme que são filmes inteiros.Destaco a última sequencia.Perfeita.

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