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sábado, 1 de junho de 2013

☑ TRILOGIA DA ALIENAÇÃO, de Michelangelo Antonioni

               À aventura: à procura das referências perdidas        
"L'Avventura"
Itália(1960).
De Michelangelo Antonioni, com Gabriele Ferzetti, Monica Vitti, e Lea Massari.
Drama.Mistério.Road movie.143 minutos.Preto e branco.
Sinopse: Um grupo de Italianos ricos, viajam num Iate no Mediterrâneo, quando Anna, a principal personagem até então, desaparece misteriosamente, numa ilha vulcânica que visitavam. Sandro, o noivo de Anna e Claudia, a sua melhor amiga, tentam encontrá-la em vários locais da  Sicília, e entretanto tornam-se amantes.
 
Recebido friamente pelo público e crítica na premiére do Festival de Cannes de 1960, mas não obstante, vencedor do Prémio especial do juri, "pela  sua linguagem cinematográfica inovadora", este filme marca a entrada de Antonioni na galeria dos cineastas de culto internacional. Antonioni impõe-se, de facto, como um realizador muito sui-generis, sem paralelo na época. Este filme inicia a sua trilogia da alienação, também chamada às vezes da "incomunicabilidade ou do vazio", que se continua com "La notte", de 1961 e se completa com "L'Eclisse", de 1962. Neste filme, começam-se a desenhar as premissas do cinema de Antonioni. Trata-se de um cinema de raiz experimental e de narrativa não linear, quase real-time, onde prevalece o foco no comportamento das personagens, seus estados de alma e as suas interações nos grupos sociais, em detrimento de uma suposta lógica espacio-temporal e causa-efeito, associada aos enredos tradicionais. 
"À aventura" é um retrato  de uma certa classe média alta da Itália do pós-guerra, em profunda crise de valores, enredada nas contradições do êxito e da ascenção social e  onde o ócio, a futilidade e o prazer proibido, se impõem como regras de conduta.
Filme com uma cinematografia peculiar, que assenta num preto e branco estilizado e numa estudada opção pela profundidade de campo, resultando numa  justaposição  de camadas sempre focadas, do qual fazem parte, em primeiro plano, personagens superficiais, desprovidas de densidade psicológica em continuidade lógica  com um  fundo desolador, práticamente sem expressão de vida, nas paisagens, edificios, praças e ruas, onde apenas  deparamos com seres inertes, que assistem extasiados ao passeio dessa elite Italiana, desenhando os contornos de um road-movie multifacetado, a um só tempo psicológico e socio-político.
Não deixa de ser curioso que práticamente no início do filme, assistamos ao desaparecimento, da sua personagem principal até então, precisamente a única que punha em causa o status-quo e o modo de vida superficial da classe a que pertencia. Essa perda, qual pecado original, é também uma oportunidade para um novo olhar e um renovado impulso passional, que cresce e se alimenta na culpa que lhe está associada.
Este filme é portanto sobre o desaparecimento e consequente procura das referências físicas, morais e psicológicas de um certo modelo de sociedade, que Antonioni compõe e decompõe de forma primorosa.


                            A noite :máscaras e sombras
"La notte"
Itália (1961).
De Michelangelo Antonioni, com Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau e Monica Vitti.
Drama.115 minutos.Preto e branco.
Sinopse: Milão, princípio dos anos sessenta. Um dia na vida de Giovanni Pontano um escritor de sucesso. Com a sua mulher Lydia,  visita um escritor seu amigo que está a morrer de uma doença terminal. Depois, Lydia, deambula pela cidade até ao local onde viveu anos antes e mais tarde  acabam ambos na festa nocturna do lançamento do seu novo livro.
 
Neste segundo capítulo da trilogia, Antonioni, volta aos temas da incomunicabilidade e do vazio existencial, expressos na insatisfação associada a relações disfuncionais e na procura que daí resulta, de novos paradigmas afectivos e passionais.
Estes temas são abordados, sem a preocupação de contar uma história, com princípio meio e fim, como é apanágio das narrativas tradicionais. Em vez disso Antonioni, empenha-se na meticulosa construção e desconstrução de quadros visuais, onde assistimos lentamente, quase em real-time ao fruir de comportamentos e expressões tradutores de um mal estar existencial.  Se em "À aventura", a resposta para esse desconforto configurou-se numa procura incessante, da referência perdida, num deserto onde a paixão e a culpa trocavam ardilosamente os papeis de oásis e miragens, na "Noite", a introdução do elemento literário funciona como uma tentativa de racionalização e talvez cábula psicanalítica, para as perdas e os lutos. No início do filme, na visita ao amigo moribundo, a ponte entre o passado e o futuro começa a desenhar-se.Mais tarde, é uma Lydia taciturna e nostálgica que volta a um local do seu passado, à procura de respostas para uma relação em crise. No futuro próximo, a festa literária, onde do livro só conhecemos a capa, é a rejeição  de qualquer  racionalização, em nome do pragmatismo - uma proposta tentadora de emprego para o escritor - e do prazer imediato e fácil, expresso nos flirts ocasionais e nas brincadeiras frívolas. É esta noite de temperamento volátil como os personagens - primeiro cálida depois extremamente chuvosa - que serve de testemunho de histórias vazias de conteúdo e relações em ruínas. Quando a noite se despede e se levanta uma manhã hesitante, num relvado imenso e vazio, sem testemunhas excepto nós, o casal em crise, ensaia por fim um definitivo diálogo e toda a poesia deste filme converge para o momento em que é feito um balanço doloroso da sua relação. Depois daquela noite, estas palavras, que anunciam alguma esperança, traduzem a continuação de um sonho ou são o espelho da própria realidade ?

                     O eclipse: a noite volta sempre
                                                           
"L'ECLISSE"
Itália (1962).
De Michelangelo Antonioni, com Alain Delon, Monica Vitti, e Francisco Rabal.
Drama.Romance.126 minutos.Preto e branco.
Sinopse: Início dos anos sessenta, subúrbios de Roma.Vittoria uma bonita tradutora, rompe com o seu namorado o escritor Ricardo. Vittoria dirige-se à baixa para encontrar a sua mãe uma viciada na bolsa e encontra Piero um corretor, num dia de crash bolsista.
O materialista Piero e a circunspecta Vittoria, começam uma relação sui-generis.

 
Não deixa de ser curioso constatar que neste remate da trilogia da alienação, a protagonista rompe com o seu namorado, precisamente um escritor, sendo inevitável a analogia ao final do filme anterior, " A noite", em que se tinha ficado de certa forma num impasse na relação disfuncional do escritor Pontano, com Lydia. Neste filme os nomes são diferentes, mas fica a intrigante alusão, associada, de resto, ao carácter enigmático do título deste filme, que pode ser lido na sequência da trilogia, como uma fugaz revisita  da noite, ao clarão do sucesso monetário e afectivo que se tinha instalado.
Quando reinava a agitação bolsista, um "crash" inesperado fez regressar em força uma certa  Itália deprimida, das ruas desérticas e dos edifícios desabitados e Antonioni estava lá com a sua câmara  metediça, sempre ligada e atenta a todos os pormenores, num espaço indefinido e num tempo que se escoa lentamente. Neste filme o barulho das vozes , dá lugar ao silêncio dos rostos, transtornados pela surpresa e desolação.O silêncio do meio físico é uma força opressora, que reforça o senso de vazio e de incomunicabilidade, que é neste fecho de trilogia, a grande conclusão que se impõe. A carga enigmática e a ambiguidade da relação entre Vittoria e Piero, onde a linguagem corporal contradiz as palavras quase ausentes,  toma  conta da narrativa, tornando o filme uma vívida  demonstração de impotência e desespero.
A sequência final é a  expressão do eclipse psicológico e físico, o fim da jornada ao vazio da condição humana.

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