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quinta-feira, 6 de junho de 2013

☑ A SOMBRA DO CAÇADOR, de Charles Laughton

                                      Sonho ou realidade ?

"The night of the hunter"
EUA (1955).
De Charles Laughton, com Robert Mitchum, Shelley Winters e Lillian Gish
Drama. Filme negro. Thriller. Preto e branco. 93 minutos. 
Sinopse:
Harry Powell é um psicopata e fanático religioso  que casa com viúvas, matando-as depois, para ficar com o seu dinheiro, convencendo-se que ajuda Deus a mantê-las afastadas dos desejos carnais. Após o enforcamento de um assaltante de bancos, casa com a sua viúva, mas tem que enfrentar a resistência dos filhos desta, que recusam revelar-lhe o paradeiro do dinheiro roubado.
 

Charles Laughton (1899-1962), foi um ator britânico de teatro e cinema (Spartacus, O Corcunda de Notre Dame), tendo  realizado apenas este filme, que constituiu um fracasso de bilheteira e foi olhado de soslaio pela crítica,  situação que não é alheia  ao seu manifesto desfasamento em relação à sensibilidade dominante da América do pós-guerra. O facto deste filme ser em termos estéticos radicamente diferente dos filmes convencionais e não se enquadrar fácilmente num género, incorporando elementos do thriller, do filme negro e da fábula, poderá ser a razão pela qual  esta obra prima absoluta do cinema, continua a ser ainda hoje tão esquecida, mesmo entre os cinéfilos.
O argumento baseia-se numa novela de Davis Grubb e retrata a vida de um pastor charlatão, psicopata e misógino, com queda para desposar e matar viúvas. Nesta alegoria, da eterna luta entre o bem e o mal, Robert Mitchum encarna Harry Powell, o lobo com pele de cordeiro, que seduz e persegue os cordeiros inocentes - a mãe e os filhos -  apenas para lhes usurpar o dinheiro.
Lillian Gish, a grande diva do cinema mudo, num plano ambiguo entre o divino e o humano, surge como a referência da bondade e da proteção. 
As duas crianças, John e Pearl, empreendem uma fuga através do rio, num barco a remos, sempre perseguidas pelo espectro medonho de Powell, numa sequência verdadeiramente mágica e inesquecível, talvez o conjunto de imagens mais fascinantes  que o cinema gerou até hoje.
Essa perigosa viagem,  testemunhada por um mundo animal  estranho e expectante, remete-nos para uma fábula de raízes bíblicas, sobre a eterna oposição cósmica  entre o bem e o mal,  e  a imperceptivel e imponderável mão da providência, revelada numa sublime poesia visual, onde mais do que sermos espectadores é o próprio filme que nos visiona.  
A fotografia a preto e branco de Stanley Cortez é um dos pontos fortes do filme, através de uma  aposta  declarada numa  estética expressionista, com as suas formas góticas sublinhadas por angulos agudos, como se pode constatar na cena do casal no quarto de dormir, onde a   abóbada e a janela mimetizam uma capela gótica, no qual se recorta a silhueta esfíngica e ameaçadora  de Powell. Esta geometria particular é iluminada por  luzes intensas que contrastam com sombras profundas  prolongando e deformando as formas,  num exercício estilístico orientado aos propósitos de efabulação da narrativa.  Deste modo, a realidade é  amplificada e distorcida e privilegia-se a vertente  onírica,  com  exacerbação  das emoções em detrimento da vertente racional. Assim o filme afasta qualquer leitura realista e emerge como uma perturbante materialização de um pesadelo  infantil. 
Neste filme, é abordada a dualidade moral sob o ponto de vista inter e intra-pessoal, neste último caso com um acento irónico e icónico, através da antítese expressa pelas tatuagens das palavras AMOR e ÓDIO no dorso dos dedos de Powell.
Mas o filme não se fecha em considerações redutoras sobre a moral, e joga também no tabuleiro da subtileza e da ambiguidade através de referências cruzadas entre  a inocência do universo  infantil e a praxis  normalizada  dos adultos, por exemplo na loja dos doces, cenário essencialmente do imaginário infantil  mas que no filme é o local por excelência de coscuvilhice  dos crescidos.
Embora a tónica do filme seja colocada num nível de seriedade, inerente à clássica oposição entre o bem e mal e o horror e desconforto sejam omnipresentes, a verdade é que há também espaço para o humor, quase sempre a cargo de Powell, por exemplo, na linguagem com que interpela Deus e os seus fiéis, na forma como usa as tatuagens dos dedos para fins de doutrinação e no modo peculiar como trata as duas crianças ("Chiiil-dren...").
Em suma, uma  singular  meditação lírica sobre  a preservação do espírito de  inocência num mundo corrompido pela mentira, dessimulação  e materialismo dos adultos.
Soberbas interpretações de Robert Mitchum e de Lillian Gish e uma realização genial de Laughton, que nos deixou  este prodigioso filme como o seu único  legado cinematográfico.

1 comentário:

  1. Grande filme.O realizador era um exrtraordinario ator de teatro-cinema.Um artista á velha maneira com caprichos de prima dona.Não nconsigo perceber muito bem porque não fez mais filmes.Tera morrido logo a seguir?Devias ter feito um acordo com o teu filho:Vias o da pancada e ele este.Justo não?

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