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domingo, 23 de junho de 2013

ALGUMAS NOTAS SOBRE O CINEMA FRANCÊS


Pode-se apreciar um filme ignorando o contexto ?
A resposta é: sim, mas...
Ver um filme é uma experiência antes de tudo sensorial. Nesse ponto de vista, o mais importante é o fruir das imagens ( e dos sons se for caso disso) que em sequência rápida, estimulam os nossos sentidos e despertam emoções.
Mas essa experiência é tanto mais rica, quanto reflectida a um nivel cognitivo e daí, a resposta à questão colocada antes.
No caso do cinema Francês, importa traçar um breve contexto histórico e sócio-político.
1. Primórdios
Alguns marcos importantes: 
 

Louis Lumière - "La Sortie des usines Lumière à Lyon" (1895) - talvez o primeiro filme. Dura apenas 46 segundos.




 

Georges Meliès - "La voyage dans la lune" (1902)
















Georges Meliès - "Le voyage à travers l'impossible" (1904)













2. Cinema de autor/Cinema de  vanguarda (anos 20 e inícios de 30) 
O cinema impõe-se como uma obra de um autor, geralmente alguém ligado ou influenciado pelas correntes vanguardistas da época, como o Surrealismo, Dadaísmo, Impressionismo e Cubismo. Os aspetos relevantes desta estética eram o ritmo e o movimento, realçados por técnicas inovadores de iluminação e novos angulos de câmara. As temáticas abordadas fugiam aos gostos comerciais, procurando causar um forte impacto visual. Considerada uma arte  degenerada e decadente, os seus seguidores acabaram por ser alvo dos regimes totalitários, que começaram a emergir na década de 30, pelo que este movimento perdeu força em França. 
Alguns exemplos emblemáticos:
René Clair - "Entr'act" -1924 (Entreacto). 
Uma curta.
 
 






 

Abel Gance- "Napoleon" - 1927
(Napoleão).
Talvez o primeiro exemplar significativo do Impressionismo no cinema.












Luis Buñuel & Salvador Dali- "Un Chien Andalou"-1929 
(Um cão Andaluz). 
Incursão do Surrealismo  no cinema, da autoria destes dois Espanhois "afrancesados".
  









3-Realismo poético Francês
Com o advento dos filmes falados, em 1927, tornou-se cada vez mais importante o  texto, em geral a partir de obras literárias, adquirindo realce progressivo a figura do argumentista e simultaneamente desaparecendo o conceito de cinema de autor, centrado no realizador. As temáticas passaram a ser mais realistas, procurando espelhar os aspetos socioeconómicos, sob a forma de melodramas pessimistas com enredo policial.
1ª fase:
Em plena crise económica resultante da grande depressão e já com a ameaça dos fascismos no horizonte, surgiram as primeiras obras que romperam com a estética vanguardista. O primeiro exemplo, ou filme zero deste movimento, ainda que sem a forte componente social que marcaria esta corrente, é a obra de Jean Vigo, "L'Atalante"(O Atalante) (1934), uma abordagem poética da viagem fluvial de um casal em lua de mel.
Após este filme, a tónica passa a ser  mais colocada em temas sociais, sobressaindo histórias protagonizadas por operários e desempregados, lutando por melhores condições de vida.
Exemplos marcantes desta fase: 
Jean Renoir - "La grande illusion" (A grande ilusão) (1937) 
Jean Renoir - "La regle du jeu" (A regra do jogo) (1939)



2ª fase:
Com a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e o avanço do Fascismo, há uma mudança de perspectiva dos guiões, com maior enfase no medo e no desânimo, prenunciando o clima derrotista que perpassou pela sociedade Francesa durante a segunda grande guerra. Emergiram as personagens marginais, como delinquentes e desertores, que procuravam lutar em vão contra a desgraça das suas vidas.
Exemplos desta fase:
Marcel Carné - "Hotel du nord" (Hotel do Norte) (1938)
Marcel Carné - "Le quai des brumes" ( O cais das brumas) (1938)





















3ª fase (decadência):
Com o início da Segunda Grande Guerra em 1939 e a invasão de Paris pelos alemães em 1941, origina-se o exílio dos cineastas Franceses e este movimento cinematográfico entra em declínio, assistindo-se ainda ao lançamento de obras importantes como a seguinte:
Marcel Carné - "Les enfants du paradis" (  Os rapazes da geral) (1946)
Este movimento influenciou o "film noir" americano, género policial, retratando personagens cínicas, imersas em ambientes de corrupção e de devassidão. As histórias de desempregados e de operários, lutando por melhores condições de vida, também seriam retomadas no neo-realismo Italiano.
A "nouvelle vague" que se seguiu a este movimento, contestava a reduzida enfase no cinema de autor do realismo poético e desvalorizava alguns dos seus nomes importantes  como Jean Delannoy, embora autores como Jean Vigo, Jean Renoir e Marcel Carné, fossem de certa forma intocáveis.
Jean Delannoy - "La Symphonie pastorale"-1946 
( A sinfonia pastoral)
Outras referências incontornáveis:
Jean Cocteau - "Orphée"- 1950 (Orfeus)


Henri-Georges Clouzot - "Le salaire de la peur"-1953 (O salário do medo)

















4-Nouvelle Vague
A expressão foi cunhada em 1958 na revista L'Express e abrange um movimento artístico com epicentro nos contestatários anos 60. Os primeiros cineastas desta corrente faziam filmes verdadeiramente independentes pois não tinham grandes apoios dos estúdios de cinema. O movimento inicia-se com a decadência do realismo poético, onde a importância do argumentista face ao realizador era contestada  por estes jovens turcos, em grande parte oriundos da crítica de filmes nos "Cahier de cinema" e noutras publicações. 

Nomes como Claude Chabrol, Jean-Luc Godard, François Truffaut,  Jacques Rivette, Alain Resnais e Eric Rohmer,  içavam  agora a bandeira do cinema de autor. Mas outras caracteristicas marcavam também a ruptura com o realismo poético, principalmente na estrutura da narrativa, rejeitando-se a linearidade e inovando-se na montagem. Os temas realistas foram revestidos por uma amoralismo típico desta geração, expressos em diálogos crús e despidos de retórica, onde se relevava a vertente psicológica das personagens através do que faziam e diziam, incluindo as impressões mais banais do seu quotidiano. A personagem sobressaía dos aspetos formais  da cena. Este movimento,  rejeitava o conceito de escola de cinema, optando mesmo pela sátira do artificialismo da própria linguagem cinematográfica e dos seus clichés, expresso em cenas intencionais em que  se insinuavam ou não se escondiam os meios técnicos, ideia subversiva que era uma marca de água desta nova vaga.
O primeiro filme desta corrente pode ser considerado "Le beau Serge" (Um vinho difícil) (1958), de Claude Chabrol.
Como a lista é muito extensa, seguem-se a título ilustrativo e com cunho pessoal, apenas alguns exemplos de filmes desta corrente.
François Truffaut - "Les Quatre Cents Coups" (Os quatrocentos golpes) (1959)
Jacques Rivette - "Paris nous appartient" (Paris pertence-nos) (1961)

Jean-Luc Godard - "Le Mepris" (O desprezo) (1963)

5. Da "Nouvelle Vague" até à actualidade
A nova vaga abriu horizontes ao cinema Francês e constituiu fonte de inpiração para outras gerações de autores que lhe acrescentaram sensibilidades especiais e o tornaram num campo deveras fértil. Segue-se uma lista muito pessoal de filmes de várias tendências e gerações.

Louis Malle - "Ascenseur pour L'echafaud"-1958 
 (Fim-de-semana no ascensor)




















Jacques Tati - "Mon oncle"-1958 (O meu tio)
 



















Georges Franju - "Les yeux sans visage"-1960 (Olhos sem rosto)




















Jacques Becker - "Le trou"-1960 (O buraco)





















Jacques Demy - "Lola"-1961





















Alain Resnais - "L'année dernière à Marienbad"-1961
(O último ano em Marienbad)






















Maurice Pialat - L'enfance nue"-1968 (Infância nua)




















Eric Rohmer - "Ma nuit chez Maud"-1969
(A minha noite em casa de Maud)





















Jean-Pierre Melville - "L'armée des ombres"-1969 
(O exército das sombras)



















Robert Bresson - "Quatre nuits d'un rêveur"-1971 
(As quatro noites de um sonhador)





















Jean-Jacques Beineix - "Diva"-1981 
(A diva e os Gangsters)
"Cinema do look" : estilo atractivo e superficial, com intuitos comerciais e com enfase na alienação das principais personagens.
















Bertrand Tavernier - "Un dimanche à la campagne"-1984   (Um domingo no campo)


Persistência de elementos do realismo poético.



















Agnès Varda - "Sans toit ni loi"-1985 (Sem eira nem beira)












  








Claude Berri - "Jean de Florette"-1986

Mantém muitas características do realismo poético...



















Jean-Paul Rappeneau - "Cyrano de Bergerac"-1990 

Leos Carax - "Les amants du Pont-Neuf"-1991 (Os amantes da ponte nova)

"Cinema do look"...




















Claude Sautet - "Un coeur en Hiver"-1992 (Um coração no Inverno)
















Bruno Dumont - "L'Humanité"-1999 (Humanidade)

Grande prémio do Juri em Cannes 1999. Festival presidido por David Cronenberg...
A sensibilidade mais alternativa e radical do cinema Francês actual.


















Patrice Leconte - "La veuve de Saint-Pierre"-2000 (A viúva de Saint-Pierre)





















François Ozon - "Sous le sable"-2000 (Sob a areia)






















Jacques Audiard - "Sur mes lèvres"-2001 (Nos meus lábios)




















Jean-Pierre Jeunet - "Le fabuleux destin d'Amélie Poulain"-2001 (O fabuloso destino de Amelie)























Tony Gatlif - "Exils"-2004 (Exílios)




















Laurent Cantet - "Entre les murs"-2008 (A turma)

Palma de Ouro em Cannes 2008.Nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009.


















Olivier Assayas - "L'heure d'été"-2008 (Tempos de verão)






















Claire Denis - "35 rhums"-2008 (35 shots de rum)
O cinema Francês mais profundo e enigmático passa por Claire Denis.



















Xavier Beauvois - "Des hommes et des dieux"-2010 (Dos homens e dos deuses)




















Mathieu Amalric - "Tournée"-2010 (Tournée - Em digressão)


 


 











Olivier Nakache e Eric Toledano - "Intouchables"-2011 (Amigos improváveis)
Um enorme sucesso caseiro e internacional.
"Look like" style...

















Alguns realizadores franceses optaram por trabalhar fora da França, sobretudo nos EUA e usando preferencialmente o Inglês em vez do Francês.

Jacques Tourneur - "Out of the past"-1947 (O arrependido)
Film-Noir.



















Luc Besson - "The fifth element"-1997 (O 5º elemento)

"Cinema do look", com pose à Hollywood...
 Se quisermos ser mauzinhos com Besson diremos "Cinema do Luc"...

















Roman Polanski- "The pianist"-2002 (O pianista)





















Michel Hazanavicius - "The artist"-2011 (O artista)

Cinema bem feito...para Oscares.















E ainda a ter em conta:
Marcel Camus, René Clément, Jacques Rozier, Alain Corneau, Claude Miller, Roger Vadin, Alain Cavalier, Yves Robert, Patrice Chéreau, Laurence Ferreira Barbosa, Lucas Belvaux, Bertrand Blier, Claude Lelouch, André Techiné, Cyril Collard, Benoit Jacquot, Philippe Lioret, Régis Wargnier, Jean-Jacques Annaud, Cédric Kahn, Cédric Klapisch, Jean-Claude Brisseau, Erick Zonca, Martin Provost, Jean-Pierre Améris, Catherine Breillat, Christophe Barratier, Rémi Bezançon, Bertrand Bonello, Rachid Bouchareb, Sylvain Chomet, Philippe Claudel, Julie Delpy, Christophe Honoré, Agnès Jaoui, Gustave de Kervern, Robert Guédiguian, Arnaud Larrieu, Vincent Paronnaud, Marina de Van, Céline Sciamma, Joann Sfar, Yann Samuell...e muitos outros !...

Em resumo:
Esta foi uma rápida mostra do cinema Francês, pondo a tónica no seu enquadramento histórico, sócio-político e cultural.


 

 


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