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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

OS PÚBLICOS

 
Ontem vi o filme "O mentor" , de Paul Thomas Anderson e antes de escrever alguma coisa sobre ele, senti a necessidade de alinhavar umas notas sobre "os públicos".
Os consumidores de produtos culturais, enquadram-se numa das três categorias: básicos, médios e especialistas.
Os "básicos", encaram a coisa apenas como um "passatempo" e "divertimento". Se tiverem dois neurónios funcionantes para fazer uma associação de ideias ou uma dedução, preferem usar este atributo para coisas mais "uteis", como ser mais esperto que o próximo e não "matar a cabeça", com "paneleirices". Num filme, é obrigatória a ação e quanto mais melhor: murros, tiros e perseguições de carros, são ingredientes, que se não existirem ou forem escassos, tornam o filme "chato" e o risco de "adormecimento" é considerável.
O argumento, que eles preferem traduzir por "história", tem que ser linear e facilmente compreensível. Nada de interpolações espácio-temporais, nem outras técnicas manhosas de começar a contar histórias pelo fim ou pelo meio ! "Percebeste o filme ? - Não percebi patavina !", é um clássico dos básicos. Os básicos não entendem que tenham que ser eles a compor mentalmente um filme, como se de um puzzle se tratasse. "Puzzle ? estás a brincar, já não tenho 6 anos!...". A coisa é simples: há os maus , que é preciso descobrir, castigar e eliminar, tarefa a cargo dos bons, com quem eles se identificam.
A "história" é boa, se tiver uma eficaz mistura de amor, ciúme e traição. O sexo apimenta e de que maneira a história ! E então se estiverem perante uma "história verídica", os básicos rejubilam, porque já estão fartos de serem enganados por "tuneis do tempo", "universos paralelos" , "espíritos reincarnados" e "outras paneleirices". Se você tiver predileção por "histórias verídicas" e emociona-se seriamente, quando lê o aviso inicial "baseado em acontecimentos reais", então você é um básico.
Os básicos nutrem um ódio visceral, mas raramente assumido, por livros. Há quem prefira dizer que "não tem tempo" para ler. O chato dos livros é terem "muita letra". Se tiverem desenhos ou fotografias ainda podem ser folheados, com aquela auto-satisfação de quem já conhece a matéria ou já fez a cadeira. Sim, porque o básico, é uma espécie prolífica e transversal à sociedade, com habitats variados desde hortas e fábricas até campos universitários.
O consumidor "médio" de produtos culturais, geralmente faz questão de usar os neurónios e é capaz de aduzir duas ou três razões porque gosta ou não gosta de um filme, de um disco ou de um livro. Geralmente é um cliente assíduo de concertos e compra discos ou livros regularmente. O " divertimento", não é o única condição para aderir a um produto cultural. Ele é mais refinado e junta-lhe outras especiarias como:   "inteligente", "fascinante", "estimulante", "desafiante". Detesta ser tratado como um básico e isso reflete-se nas escolhas que são menos primárias, incluindo temáticas "complexas" e "ambivalentes". Se um básico, coitado, apenas vislumbra  o branco e o preto, o médio enxerga, toda a escala de cinzentos, na boa !... E claro, tem o seu "ginásio intelectual", que inclui visitas regulares aos jornais e revistas da especialidade.
Este espécime, exercita-se no "confronto de ideias", sendo por isso muito permeável, especialmente à opinião dos "especialistas", pelo que em muitos casos é pertinente a questão da "originalidade" das ideias que veicula. O caso extremo é o do chamado "pseudo-intelectual", que antes de dar opinião sobre algum evento, gosta sempre de consultar a sua cábula preferida.
"Perguntas-me se gostei do filme ? Ora bem, amanhã digo-te, preciso de ler a crítica do João Lopes".
Por aqui já se vê que o médio contem várias sub-espécies, que têm em comum, um leque mais amplo de escolhas e um carácter mais instruído, aberto e universal.
"O gosto médio" é na realidade uma espécie de "média aritmética" das "notas" que os médios  vão dando, formal ou informalmente aos "produtos culturais" que consomem. O IMDB da coisa…
O "especialista" como o nome indica, domina a matéria. Lista, cataloga e compara os produtos e seus autores. É mais elitista e compraz-se em contradizer o "gosto médio". Por exemplo, o Christopher Nolan e os seus filmes, estão nos primeiros lugares do IMDB, mas isso não impede que seja uma vulgaridade, para a maioria dos "especialistas". E não é raro, filmes de 4 ou 5 no IMDB, serem  catalogados pelos especialistas como obras-primas.
É desta casta, que nascem os críticos. Não os deste blog, entenda-se, que pertencem a uma  sub-espécie  rastejante e eutrófica, dos médios.

1 comentário:

  1. Só hoje e por isso me penalizo eu li esta prosa.Está magnífica.Quem me chamou á atenção foi o Rei da Lavra e tem razão.Merecia um outro destaque e companhia.Ha algum exagero obviamente,alguma simplificação certamente mas o conjunto tem uma coerencia e um ritmo que prendem.Parabens!

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