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quinta-feira, 4 de julho de 2013

☑ O TERCEIRO HOMEM, de Carol Reed

Um clássico sempre surpreendente

"The third man"
GB (1949).
De Carol Reed, com Joseph Cotten, Alida Valli, Trevor Howard e Orson Welles.
Film-Noir. Mistério. Thriler. 104 minutos. Preto e branco.
Argumento: Graham Greene
Fotografia: Robert Krasker. Música: Anton Karas.
Sinopse:
Holly Martins (Joseph Cotten) é um escritor americano,  de Westerns de pacotilha, que viaja para  Viena, semi-destruída pela guerra, para encontrar-se com o seu velho amigo Harry Lime (Orson Welles) e mal chega é confrontado com a  morte deste em circunstâncias aparentemente acidentais.No entanto, o relato contraditório das testemunhas e da polícia, levam-no a investigar o caso, pelos seus próprios meios.

 
Filme assombroso e intemporal, surgido da estreita colaboração entre os britânicos Carol Reed e Graham Greene, o primeiro aliando o reconhecido talento ficcional à experiência acumulada na secção de documentários de guerra do exército britânico e o segundo para além de um notório e multifacetado romancista e  ocasionalmente argumentista como neste filme, desempenhara funções diplomáticas para o governo britânico.
O filme retrata a visita do americano Holly Martins (Joseph Cotten), um escritor de Westerns baratos, à Viena destruída e dividida do pós-guerra, a convite do seu velho amigo Harry Lime (Orson Welles). Mal aterrou na cidade, foi informado da morte, na véspera, do seu amigo, atropelado por um camião.O que parecia uma história simplesmente trágica, pouco a pouco foi adquirindo contornos de mistério, quando no funeral de Harry, conheceu Maj. Calloway (Trevor Howard), o chefe da polícia  e da sua boca ouviu as  impressões nada abonatórias sobre o carácter de Harry, retratado como um criminoso do pior. Ainda estupefacto, Holly foi  aconselhado perentoriamente, a regressar a casa quanto antes. 
Mistério que foi se adensando com o relato conflituante das circunstâncias da morte de Harry, por parte das testemunhas e  a referência de uma delas  a um misterioso terceiro homem, não documentado na investigação policial.
Para Holly, o retrato pintado de Harry não se coadunava com a imagem positiva da amizade de muitos anos, que nutria por ele e por isso impôs a si próprio, a descoberta da verdade, pelos seus próprios meios. Nessa demanda, conheceu a amante do seu amigo, Anna (Alida Valli), uma bela atriz Checa, com passaporte falso, para fugir à deportação forçada pelos Russos, ocupantes de um dos quatro sectores da cidade. Anna logo demonstrou um amor incondicional a Harry, indiferente à imagem que dele circulava e isso não impediu o imediato enamoramento de Holly por essa mulher, por quem passava a resolução do intrincado mistério da morte do amigo. O filme passa então a ser ambivalente, ligando a procura da verdade sobre a morte de Harry ao resgate e retribuição do amor de Anna, num esquematismo mental muito típico das tramas simplistas e justicialistas dos westerns baratos escritos por Holly.
Carol Reed, com o conhecimento privilegiado que tinha do terreno, recusou a pretensão do produtor, David O. Selznick, de rodar o filme em cenários de estúdio e impôs a sua intenção de filmagens no local.
Reed escolheu uma singular banda sonora em filmes do género, habitualmente servidos por peças clássicas, tendo preferido uma unusual composição de cítara, por Anton Karas, que descobrira por acaso em Viena.
O filme é um tratado de fotografia e vertiginosa experiência cinemática. Abundam os planos inclinados, em momentos chaves da narrativa, nomeadamente nas perseguições na rua e nos tuneis, transmitindo  um senso de desiquilíbrio emocional e desorientação espacio-temporal,  que emana dos protagonistas e se  plasma na tela, embebendo os sentidos dos espectadores. 
Também merece realce, um plano "picado" (over-head), aquando da conversa dos dois amigos na cabine da roda gigante em movimento ascendente, que mostrava no solo figuras humanas progressivamente mais pequenas e que  deu  a Harry o mote para o seu célebre discurso de  justificação, envolvendo a oposição entre a criatividade da Itália de Da Vinci, malgrado o reinado dos Bórgias e o cinzentismo Suiço, que segundo ele, apenas gerara o relógio de Cuco. Este discurso, foi segundo Greene, totalmente criado por Orson Welles !  O consequente resultado cinemático, para além da experiência de perigo iminente, ilustrou eloquentemente o afastamento dos dois amigos e a perda das referências humanas de Harry. 
O uso de grandes planos com distorção angular, aplicado a figuras humanas e a locais, conferiu à narrativa, contornos fantasmagóricos de fundo expressionista, exemplificados nas imagens da cidade em ruínas e dos seus habitantes como na cena nocturna do homem com o balão, que projecta sombras medonhas, prefigurando um monstro escondido algures.
A famosa cena da perseguição nos tuneis, com a alternância de "close-ups" do rosto desesperado de Harry e dos grandes planos, com as sombras projectadas nas  paredes, culminando na magnífica imagem das mãos do homem em fuga projectando-se desesperadamente para o exterior da sarjeta bloqueada, é um dos mais notáveis momentos da história do Cinema.
A cena final é belíssima e ilustra a impossibilidade do amor nos termos simplistas idealizados por Holly e a constatação por parte do escritor que os seus Westerns com finais felizes, não têm correspondência real, quando os heróis  são outros...
Reed contrariou mesmo o final feliz projectado por Greene,  e preferiu, num certo sentido, um final mais à Casablanca...

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