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segunda-feira, 29 de abril de 2013

TRILOGIA DO CHILE, por Pablo Larraín

Pablo Larraín, é um cineasta chileno, da nova geração, nascido em Santiago em 1976, filho dos políticos Hernán Larraín e Magdalena Matte.

Embora seja também produtor e guionista, é conhecido essencialmente como realizador, tendo sido autor até ao momento de 5 trabalhos: Fuga (2006), Tony Manero (2008), Post Mortem (2010), Prófugos ( TV mini-séries) (2011) e No (2012).
Tony Manero, Post Mortem e No, constituem uma trilogia, dedicado ao Chile de Pinochet.

TONY MANERO (2008)
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Neste filme, o cenário é o Chile em 1978, em plena ditadura de Pinochet. Um homem na casa dos quarenta anos (Alfredo Castro), vive obcecado com a personagem (Tony Manero) que John Travolta interpreta em Febre de Sábado à noite, filme de 1977 de John Badham. Assiste vezes sem conta ao filme e procura imitar o ícone pop em todos os pormenores, desde as falas e poses até aos passos de dança. O seu sonho é ganhar o concurso televisivo de imitadores, que procura o Tony Manero chileno e todo o seu quotidiano é centrado nessa fuga à realidade, não hesitando em mentir, roubar e até matar, qualquer um que se atravesse no seu caminho.
Estamos no auge de uma das ditaduras mais sangrentas da América latina. A América, que patrocinou o golpe que destituiu Allende e colocou Pinochet no poder, essa América idolatrada e imitada até à exaustão é aqui o evidente objecto da sátira de Larraín. E a personagem Tony Manero, o dançarino sociopata, com o seu seguidismo dessa cultura importada, o seu silêncio autista e o profundo desprezo pelos semelhantes, serve que nem  uma luva no perfil de Pinochet.
Este filme, teve uma boa recepção da crítica, com boa visibilidade nos festivais de cinema independente, tendo conquistado prémios em Buenos Aires, Havana, Istambul, Roterdão e Varsóvia.
Evidente metáfora das ditaduras latinoamericanas e da alienação cultural que elas patrocinam, o argumento gira à volta de ideias interessantes mas a sua implementação nem sempre é consistente, parecendo às vezes deslizar para a caricatura desajeitada, não demonstrando audácia nem subtileza no que sobra da personagem de Tony Manero, que parece às vezes reduzir-se a um mero cenário pós-apocalítico.
Tecnicamente, o filme consegue um bom trabalho de reconstrução de época. A fotografia capta no essencial o bizarro das personagens e a desolação do ambiente físico e social.O ator Alfredo Castro, um habitué do cinema de Larraín, tem um trabalho notável de composição de um Tony Manero, execrável, difícil de esquecer e que foi reconhecido com prémios em vários festivais de cinema. Ele, que de resto, partilha o argumento, com Larraín.
Enfim, um filme de um  humor tão descaradamente negro, que é impossível provocar uma adesão mental ou emocional positiva por parte de quem o vê, mas que vale sobretudo pela memória transfigurada do pesadelo, que foi o Chile de Pinochet.

POST MORTEM (2010)
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 Depois de estar em pleno  coração da besta adulta, com Tony Manero (2008), Larraín ensaia neste filme um flashback até ao momento do "parto" do Chile de Pinochet, ao jeito de "prequela", como se nesse solavanco da memória, o realizador procurasse as causas de um pathos mortal - as autópsias  servem para isso -  e ao mesmo tempo alargasse o universo de obsessões e contrastes do seu cinema.
Estamos em 1974, nos dias antecedentes e sucedentes ao golpe militar que destituiu Allende e que investiu Pinochet do seu tristemente célebre poder ditatorial.
Tal como em Tony Manero, o argumento gira á volta de uma obsessão, desta vez, o protagonista, um circunspecto e enigmático funcionário de uma morgue, tem uma fixação doentia pela vizinha da frente, uma dançarina decadente e anoréctica, cuja família está envolvida em actividades do PC chileno. A certa altura da narrativa, deparamos com a autópsia dessa dançarina perante a intrigante indiferença desse homem. Nos flashbacks que se seguem, seguimos o percurso de ambos e por fim desvendamos o enigma...
Mais uma vez Alfredo Castro, dá corpo a este personagem cinzento e anónimo, de poucas falas, que se autodefine "apenas funcionário", quando lhe questionam sobre a sua actividade. Um funcionário amorfo e apolítico, que assiste a todo o horror, com plácida inexpressividade. Ele lá está, como se fora o próprio Chile, impávido e impreparado no momento da autópsia de Allende, pronto para aceitar a tese do suicídio. Ele  auxilia na autópsia da dançarina, o seu objecto de  enamoramento e obsessão  fugazes, mas também colabora no desaparecimento "científico" dos homens e mulheres que se amontoam na morgue, no que poderemos entender como um retrato do desaparecimento do Chile de Allende, encenado de forma paradigmática na sequência final...
Um filme na linha de Tony Manero, um pouco mais ousado, mas enfermando das mesmas limitações, em grande parte decorrentes da incapacidade do realizador em lidar com as margens da matéria fílmica, da sua dificuldade em preencher os espaços em branco ao redor da personagem central do filme, mais uma vez magnificamente composta por Alfredo Castro.

☑ NO (2012)
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E com este No, chegamos ao capítulo final da trilogia chilena de Larraín, ao momento da retirada de Pinochet do poder.
A trama de No, centra-se no referendo que o general Augusto Pinochet, realizou no Chile, em 1988, para fazer face às crescentes pressões externas e legitimar a permanência do ditador no poder. Para além de um filme, este No, é uma exemplar aula de História e de Política.
Antes de rodar o filme, Larraín, surpreendeu a produção com a exigência de uma câmara U Matic, um material já obsoleto, mas com a particularidade de ter sido usada na captação das imagens de arquivo da época a que se reporta o filme, incluindo a campanha do referendo. Com esse expediente Larraín e o seu director de fotografia, Sergio Armstrong, pretendiam uma maior coerência na montagem do material do fime e do arquivo.
O argumento de Pedro Peirano, é uma adaptação da peça teatral de Antonio Skármeta (o mesmo de O carteiro de Pablo Neruda), sobre o referendo.
O prestigiado publicitário René Saavedra (Gael Garcia Bernal), filho de um antigo político da oposição, que com o seu pai, conheceu o exílio, é convidado pelos lideres da oposição a coordenar a campanha do não a Pinochet. A oposição estava ciente de uma derrota e procurava apenas nos 15 minutos diários da campanha, agitar as águas paradas, dos 15 anos de ditadura. Por isso, os seus lideres, propunham uma campanha que desmascarasse a miséria, as desiguldades sociais, a falta de liberdade de expressão, a tortura, a morte e os desaparecimentos, quedando-se estupefactos à reação do publicitário, quando lhes garantiu que tal "produto", não vendia... Em alternativa, a proposta de campanha de René, com o seu carácter alegre, à base de jingles e danças não se distinguia muito de um vulgar anúncio de um refrigerante, curiosamente apelidado de "Free", que vimos ser exposto no início do filme.
Este cinismo e carácter politicamente amorfo e desconcertante, que Bernal encorpora de forma primorosa, vem na linha dos personagens anteriores da trilogia de Larraín, mas com algumas diferenças importantes. Digamos que o carácter de exilado, confere à personagem de Bernal uma dimensão que o Tony Manero e o funcionário da morgue, dos filmes anteriores de Larraín, não tinham. Para além do mais, estes eram seres solitários e com evidentes taras psicológicas e sociais, ao contrário de René, um homem moderno, com raízes familiares bem marcadas.
A personagem de René, está impregnada dos dogmas da publicidade, mas também é imbuída de um espírito algo blasé e naífe, deixando-se conduzir pelo instinto, alimentado inclusivé pela envolvente pueril, dos brinquedos do filho - o comboio, o skate... A esse respeito, os passeios em skate nas ruas de Santiago, são a premonição de um movimentado jogo infantil, embutido na realidade estática do mundo dos adultos. A cena em que ele, deitado no meio do brinquedo formado pelo circuíto dos carris e pela locomotiva em movimento, reflecte na campanha, dá-nos a ilusão de um atropelamento ou descarrilamento iminente, ou não constituísse o cinema, uma fonte de ilusões e de paradoxos em movimento.
Por fim, o arco-Iris do slogan do não, é o paradigma deste cinismo naífe, que infecta a política, de boas intenções e de um pragmatismo esmagador.
O fim do filme é só aparentemente um happy end, como pode ser deduzido da própria reação do protagonista. Pois se tínhamos dúvidas sobre os a priori, não duvidamos também que a posteridade, não nos trouxe necessáriamente os "amanhãs que cantam"...
 
 
 

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