Mentiras e consequências
Título original em italiano: "Il Cimitero di Praga"
Autor: Umberto Eco. Género: Ficção histórica. Suspense erudito.
Ano da edição original: 2010. País: Itália.
Título da edição portuguesa: "O cemitério de Praga"
Ano da edição Portuguesa: 2011. Editora: Gradiva. Tradução: Jorge Vaz de Carvalho.
559 páginas.
Sinopse
"Durante o século XIX, entre Turim, Palermo e Paris, encontramos uma satanista histérica, um abade que morre duas vezes, alguns cadáveres num esgoto parisiense, um garibaldino que se chamava Ippolito Nievo, desaparecido no mar nas proximidades do Stromboli, o falso bordereau de Dreyfus para a embaixada alemã, o aumento gradual daquela falsificação conhecida como Os Protocolos dos Sábios Anciãos de Sião, que inspirará a Hitler os campos de extermínio, jesuítas que tramam contra os maçons, maçons, carbonários e mazzinianos que estrangulam os padres com as suas próprias tripas, um Garibaldi artrítico com as pernas tortas, no complexo tabuleiro da unificação italiana, os planos dos serviços secretos piemonteses, franceses, prussianos e russos, os massacres numa Paris da Comuna em que se comem os ratos, golpes de punhal, horrendas e fétidas reuniões por parte de criminosos que entre os vapores do absinto planeiam explosões e revoltas de rua, barbas falsas, falsos notários, testamentos enganosos, irmandades diabólicas e missas negras. Óptimo material para um romance-folhetim de estilo oitocentista, para mais, ilustrado com os "feuilletons" daquela época. Há aqui do que contentar o pior dos leitores. Salvo um pormenor. Excepto o protagonista, todos os outros personagens deste romance existiram realmente e fizeram aquilo que fizeram. E até o protagonista faz coisas que foram verdadeiramente feitas, salvo que faz muitas que provavelmente tiveram autores diferentes. Mas quem sabe, quando alguém se movimenta entre serviços secretos, agentes duplos, oficiais traidores e eclesiásticos pecadores, tudo pode acontecer. Até que o único personagem inventado desta história seja o mais verdadeiro de todos, e se assemelhe muitíssimo aos outros que estão ainda entre nós."
(FNAC)
Continuamos na senda das fraudes, das farsas e das falsificações, mergulhando na sua génese e extraindo as suas consequências, agora no campo literário e pela pena de um dos últimos escritores realmente eruditos, Umberto Eco, que continua sábio, produtivo e actual, nos seus mais de 80 anos.
Uma obra de ficção, mas que se revela certeira em termos racionais, desvendando muito sobre a necessidade bem humana de gerar inimigos, de os alimentar e perpetuar, com fins que vão dos comezinhos jogos de interesses aos delírios mais incompreensíveis.
A personagem central deste livro é um ser egocêntrico e maquiavélico, misantropo e misógino, que inspira repulsa imediata no leitor, tornando o livro não muito agradável de se ler, até porque lhe cabe grande parte da narração sob a forma de um diário, que partilha com o alter ego da sua complexa personalidade. No entanto, este carácter multiforme da personagem, que assume nomes e feições diversas, ora sendo o falsário tabelião Simonini, ora se travestindo de respeitável capitão Garibaldino, ora ainda assumindo o hábito eclesiástico inerente ao abade Dalla Piccolla, torna-o divertido não só na sua descrição física como no enunciar do seu mundo mental, que reúne todos os preconceitos sobre um inimigo que julga conhecer. E isto desenrola-se num particular contexto histórico e geográfico - a Europa do século XIX - em que as ideias se impõem mais pela oposição que pela afirmação, vivendo-se definitivamente em plena constelação de todos os antis, do anti-semitismo, do anti-clericalismo, do anti-capitalismo e do anti-socialismo.
A narrativa não é linear nem cronológica, recorrendo a flashbacks e elipses e entrecruzando elementos de vários tempos psicológicos e históricos díspares.
Interessantes são os episódios associados às guerras da unificação italiana e num outro contexto à comuna de Paris. E sobretudo como esses incidentes históricos são moldados e influenciam as ideias vigentes que incluem ideais monárquicos mais ligados ao catolicismo, em oposição às hostes republicanas de cunho mais socialista e com derivações maçónicas.
Como o semitismo e o anti-semitismo se tornam, apesar de tudo, o grande polo de discussão deste livro é que é o grande mistério - o tal suspense erudito, de que Eco é o expoente máximo - que mantém viva a leitura até ao fim.
Excelente entrevista a Umberto Eco, sobre este livro e outros temas ( Link - Revista Época - Globo.com).
Excelente entrevista a Umberto Eco, sobre este livro e outros temas ( Link - Revista Época - Globo.com).
Sem comentários:
Enviar um comentário