O bom cinema é assim.
Pressente-se toda a magia do divino nessa arte que nasce do nada, do pó, do barro e vai ganhando corpo e alma, nas mãos de alguém que lhe vai modelando as formas e definindo as feições, ao mesmo tempo que lhe sopra o espírito na forma inerte para lhe dar vida. E como toda a vida, só atinge a plenitude na relação e no encontro com o outro. E o outro sou eu, este que aqui escrevo e que me predisponho a ser encontrado. E essa vida percorre por mim, o espaço que nos separa e que eu não posso percorrer, e por isso, ela é agora a luz e o som que toca as minhas estáticas superfícies sensoriais e as estimula, materializando esse encontro.
E esta é uma história contada bem ao jeito do imaginário infantil, como se estivéssemos perante aquela voz significativa das nossas memórias da infância, mas que agora, embora nos embalando, não nos deixa adormecer, porque a história é triste e parece que nós fazemos parte dela, quer queiramos quer não. Aqueles bonecos de barro, foram-nos apresentados e agora como nossos conhecidos, vivem na nossa mente e é assim que nós imaginamos aquela pobre gente, que foi sacrificada por um grande ideal de colectivização, como se houvesse algo mais importante que as suas vidas e a sua dignidade.
As imagens reais deste despautério histórico, cometido em nome de uma putativa bondade de uma ideologia, ficaram registadas, cada uma à sua maneira, na memória dos sobreviventes e das testemunhas das atrocidades dos Khmers vermelhos, como Rithy Panh, o realizador Cambodjano. E também no celuloide dos excecutores. E se as imagens destes últimos, foram na esmagadora maioria apagadas, aquelas que ficaram gravadas nas memórias dos sobreviventes, são reconstruídas de forma singular, neste nosso encontro mágico com o filme, como um relato pungente de uma humanidade capaz do pior e do melhor.
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